NELSON BOGGIO

Fábrica do Vidro

ÍNDICE GERAL

Segundo acto                          

Cena V

(Rua. Vera interpela o menino que esconde qualquer coisa. Vera traz bagagens. Chegou da cidade)

Vera: Que tens tu na mão?  

Menino: Nada! 

Vera: Deixa ver.   

Menino: É meu.  

Vera: Que é isso? Vem cá. Deixa-me ver.  

Menino: Não sei.  

Vera: Isso é o que eu penso que é? Onde é que encontraste isso? Mostra! Onde é que tu foste buscar isso?  

Menino: Porquê?  

Vera: ( Avançando) Ora, rapaz, ora, dá cá isso.  

Menino: Vou-me embora. ( Tapando os olhos). Agora já não me vês!  

Vera: Ah! Isso é que vejo. Dá cá isso meu menino.  

Menino: Não posso.  

Vera: Porquê?  

Menino: Encontrei- o. É meu.  

Vera: ( Olhando-o fixamente) Isso é o que eu penso que é? Quem é que te deu isso?

Menino: Foi no rio.

 

Vera: Isso é sangue?

 

Menino: Estava a dormir com a nuca apoiada numa pedra. Terá caído?  

Vera: Mostra.  

Menino: Não.  

Vera: E porque não?  

Menino: Porque já sabes o que eu tenho e...vais contar...vais dizer...ele roubou, ele roubou... 

Vera: Eu não faço isso. Eu não te quero fazer mal. Porque és tão teimoso? Olha como estás cheio de sangue.  

Menino: Vem cá.  

Menino: Não. Tu bates-me.  

Vera: Eu não te quero fazer mal. Porque és tão teimoso?  

Menino: Está bem, eu mostro-te. Mas só se prometeres que não dizes nada.  

Vera: Está jurado.   

Menino: Vem cá. Tenho medo da luz.  

Vera: Espera, vou só pousar isto. ( Pousa as bagagens). Pronto. Mostra lá.  

Menino: Olha! É lindo! É meu!  

Vera: É um medalhão. É do Eduardo. O que é que aconteceu?  

Menino: Ele não se mexe.  

Vera: O que é que tu sabes?  

Menino: Nada.  

Vera: Não viste ninguém?  

Menino: Só três homens que o levaram para lá. Penso que está morto. Puseram-lhe uma faca na mão. Depois cobriram-no de terra e musgo. Eu não fiz nada. Eu só quis ver de perto...como era...e depois vi o medalhão. Tive de o descobrir para o tirar. Tinha-o ao pescoço. Não se importou...penso...parece que sorria.  

Vera: Três homens. Como eram?  

Menino: Grandes.  

Vera: Vem comigo.

Menino: O que é que me vão fazer?  

Vera: Nada. ( Saem).  

Nelson Boggio nasceu em Proença-a-Nova, no distrito de Castelo Branco. Aos 16 anos ingressa na escola profissional ACE no Porto onde teve as sua primeiras experiências teatrais com  o encenador Rogério de Carvalho, com os actores e professores João Paulo Costa e António Capelo, entre outros. Enquanto aluno da escola participou como figurante na peça de teatro O Coriolano, de Shakespeare, dirigida por Jorge Silva Melo. Entrou em peças encenadas pela escola. Desde Gil Vicente com direcção de António Capelo, a peças como Os sete pecados mortais dos pequenos burgueses, de Brecht com Kuniaki Ida com o qual desenvolve também a máscara neutra. Tem também ateliers à volta do Clown com Alan Richardson.  Aos dezanove anos entra para a Escola Superior de Teatro e Cinema, onde volta a reencontrar o professor e encenador Rogério de Carvalho, e onde começa pela primeira vez a trabalhar em cena os textos clássicos gregos. Tem também como professores o encenador José Peixoto, o Professor Luca Aprea em corpo, o professor Francisco Salgado, Álvaro Correia, João Mota, Carlos J. Pessoa, com o qual trabalhou três peças de teatro na sua companhia O teatro da garagem.  Participou na peça Os Anjos de Teolinda Gersão a convite do professor e encenador João Brites, em Palmela. Participou como actor na peça “Les Bonnes/ As Criadas” de Jean Genet com encenação de Paulo Alexandre Lage, em Julho de 2005 na Casa Conveniente em Lisboa.