(Casa do senhor Ualt. Este está de
costas. Coloca objectos pessoais numa mala. Entra Eduardo).
Eduardo: (
Parado olhando-o fixamente. O outro continua). Sabe, eu também não
simpatizo muito com a maioria das pessoas. ( Avança) Acho-as
tacanhas, cheias de instintos baixos, demasiado crentes e em suma sem
uma linha de horizonte definida. Mas até mesmo esta gente tem um
património, um legado cultural. Não esperava vir a encontrar alguém tão
esperto quanto eu pois não? Aqui nestas bandas? Só resineiros e
curtidores de peles bem como lenhadores e sopradores de vidro.
Senhor Ualt: ( Continuando de costas,
parando agora de arrumar as coisas na maleta). Não me faça rir.
Vamos ser concisos meu rapaz! O que é que quer de mim?
Eduardo: ( Vendo que o outro não está
surpreendido). Estava à minha espera.
Senhor Ualt:
Ligeiramente surpreendido com o facto de ter entrado com uma
facilidade dessas. Acho que terei de rever a confiança que tenho no meu
pessoal não concorda? Alto. Pare aí mesmo. Nem mais um passo.
Eduardo: Eu só quero dizer que
ainda está a tempo. Venho fazer-lhe uma proposta.
Ualt:
Se estiver calado, ocupado com os achaques da sua mãe, ainda a proposta
pode ir para a frente, mas não sei se quero perder os benefícios a troco
de uma simpatia que me sairá demasiado cara.
Eduardo: O senhor só tem que me dar
aquilo que eu peço e nada mais.
Ualt: O que quer de mim rapaz?
Eduardo: Um milhão. ( Mostrando
um maço de folhas que tira de uma pasta) E estas
provas...desaparecem.
Ualt: Não sei a que se refere.
Eduardo: O senhor só tem que me dar
aquilo que eu peço e depois pode partir. Sem problemas.
Ualt:
Está a criar um ninho de serpentes sobre o qual poderá um dia mais tarde
vir a tropeçar. E depois, tal como um acontecimento esquecido que por
instantes nos fez hesitar entre o agora e o depois, virá mais tarde
prestar contas sobre tudo isto.
Eduardo: Já disse. Agora pode estar
descansado.
Ualt:
Ás vezes estou a olhar para si e recordo a minha não menos séria
presunção quanto a certos factos da vida. Não se demore mais. Somos
iguais no fundo. Também eu vomitei o pior de mim para não perder
oportunidades. Está a ouvir rapaz?
Eduardo:
Se me der aquilo que eu quero...talvez esteja a ouvir...
Ualt:
Não seja teimoso...
Eduardo:
Não contava pois não? Não estava à espera. E o senhor via-me todos
os dias tal como um alferes pensa na possibilidade de estar na presença
de um subalterno. Enigmático isso...e no entanto não posso deixar de
dizer que me não surpreende o que de monstruoso é revelado...o que sai
de si como poeira. As solas dos sapatos...se dissertasse sobre a
porcaria que acumulam, teria matéria de sobra para oferecer à
humanidade. Então? O que vai ser? O cordeiro bale como o urso. Não se
deve desviar os olhos do rebanho. Vamos...então? O que vai ser?
Ualt:
Vamos ver se eu o percebi. Aquilo que me pede não é nada mais do que um
milhão, com a condição de não revelar as provas. Quer então que eu lhe
adiante desde já essa quantia?
Eduardo:
Nem mais. Sabe...eu nunca esperei que isto viesse a acontecer assim.
Ver-me na posse de todas essas provas.
Ualt:
Eu nunca me enganei muito...uma surpresa nunca vem mal acompanhada...vi
gerar-se um verme que não andava muito longe de procriar um dia.
Eduardo:
É tudo uma questão de dúvidas e certezas.
Ualt:
Mas antes de nascermos estávamos mortos, certo?
Eduardo:
Possivelmente, sim. Mas quem nos garante?
Ualt: O
que é que se decidiu? O que é que terá motivado os fenómenos? Não há que
temer a morte, é o que eu acho. Nem eu sei a que se deve este discurso.
Nem eu sei. Mas sou levado a ele como o condenado à forca. Veja bem
estas mãos. Já viram muito. Corrupção, fraude, enfim...todas essas
coisas que até as crianças aprendem...nas escolas...no colo das mães. E
ainda me pergunto se serei capaz de matar um homem. Penso nisso sim...em
casos extremos...do pensar ao fazer vai um passo...mas ainda assim...se
não se tem outra hipótese...Eu tenho hipótese...posso pagar-lhe...mas
ainda bem que me chama à razão...ainda bem. Acho que o subestimei.
Quando o via a correr atrás de mim nunca pensei...mas podia ter
dito...para eu parar...chamar-me à razão...não o fez mais cedo...e a
honestidade tem um preço...
Eduardo:
Vai pagar.
Ualt:
Sou um homem de palavra. ( Dirigindo-se para o lado oposto). A
morte...todos morremos.
Eduardo:
Pois é.
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