TEC - Teatro Experimental de Cascais
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Jornal da Costa do Sol, 28 de Fevereiro de 2008 |
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Em vésperas de ver em palco uma obra da sua autoria, quais são as suas expectativas? MEG - Estou excitada e ansiosa, gostava que a peça fosse vista por muita gente. E discutida, pois tem aspectos polémicos, quer da minha parte, quer da parte de Carlos Avilez. Aliás há outros elementos de que valerá a pena falar, vindos das citações de Maria Vieira, do cenário de Fernando Alvarez, ou da música de Luís Pedro Fonseca. Espero que todos gostem e que seja um sucesso, mas, se por injustiça ou fatalidade não for um sucesso, eu já ganhei muito com A Boba: tive a oportunidade de trabalhar com artistas de alto nível, vivi uma experiência completa de teatro. O que estou a aprender com o Carlos Avilez tem valor inestimável, e não é só do ponto de vista teatral, é também no das relações humanas. Vou ter muitas saudades deles quando tudo terminar. A Boba é uma peça com uma linguagem diferente daquela a que o público se habituou. Entre o arcaico e o actual, ora aparentemente pueril, ora raiando o surrealismo, como classificaria esta obra? (Como crítica literária e como autora) MEG – A Boba é um híbrido, uma obra que mescla diferentes linguagens, géneros e até emoções. Podemos chamar-lhe farsa trágica, ou tragédia paródica. Eugénia Vasques falou de drama, o drama romântico é um híbrido de tragédia e comédia. De outra parte, há sempre uma veia surrealista no que faço, tem razão. Ela exprime-se pelo absurdo, pelo deslizamento dos acontecimentos para fora dos limites da possibilidade. E também existe uma acentuação esdrúxula no tempo, porque a Boba não é só a anã que pertencia à rainha D. Beatriz, mãe de D. Pedro I, ela sobrevive a Alcácer-Quibir, à Inquisição, ao Ultimato e à queda da monarquia, para no presente habitar um recycle bin, a reciclagem de um programa informático. Ela não é lixo, ela comanda a reciclagem. Ninguém quer saber quem ela é, todos preferem o descanso da ignorância (parafraseio a Boba…), mas, se ela quisesse, salvava ou condenava ao caixote do lixo segundo a sua vontade… Aquela personagem satírica é um robot informático. Então, sim, há um confronto entre o antigo e o contemporâneo. Conseguiu entrelaçar extraordinariamente as diversas partes – insónias e despertar – que constituem a peça; No entanto, parece-me que essa articulação será bastante difícil para o actor. Considera que a encenação do Carlos Avilez, e a interpretação da Maria Vieira, conseguem transmitir as diferentes nuances das falas e situações? MEG – O Carlos Avilez tem tido amoroso comigo. Sem o declarar, sem o mostrar abertamente, mas eu sinto que as suas opções são fruto do desejo de me regalar com bombons. Ele, na sua área, e eu, na minha, somos bastante parecidos, igualmente absurdos, igualmente amantes do humor e da poesia. As soluções de encenação encontradas pelo Carlos Avilez estão no tom d’ A Boba, não me posso queixar, pelo contrário: gosto dos bombons e admiro o trabalho dele. Até nos apontamentos musicais escolhidos para abertura da peça e para fundo de certas sequências, ele revelou uma sensibilidade sintonizada com a minha. Quanto à Maria Vieira, ela está como peixe na água, a peça parece ter sido escrita para ela. É uma actriz completa, que interpreta, canta, dança, e até faz acrobacia, se for preciso. Embora estando sozinha em cena, ela domina aquele espaço imenso do palco, e agarra os espectadores com a intensidade com que representa. Eu já tinha trabalhado há anos com a Maria Vieira, num espectáculo no Convento do Carmo com guião meu, dirigido por Alberto Lopes, e sou habitual espectadora dela na televisão. Não me surpreendeu a sua capacidade camaleónica de interpretar, de exprimir emoções, de criar e de mudar abruptamente de registo. O que me surpreende é a sua robustez física, a força com que está em cena, o seu empenhamento, a quantidade de horas que tem investido a estudar o papel. Surpreende-me que a Maria queira sempre continuar o ensaio, e repetir, apesar de às vezes estar muito cansada, porque a peça puxa muito por ela. É o Carlos Avilez quem se dá conta do excesso e suspende o ensaio. Ele é o alquimista que mistura os elementos todos e os transmuta naquilo a que vamos assistir a partir de 12 de Março, e eu ainda não sei bem o que será, porque faltam ingredientes muito apelativos do olhar, criadores do espaço cénico: a cenografia e os ricos fatos desenhados por Fernando Alvarez. Escritora, poetisa, crítica, artista plástica… quem é Estela Guedes? MEG – Eu sou um híbrido, como aquilo que faço. Sou a favor das misturas. Eu continuo a fazer crítica, mas ela mudou de direcção, também é híbrida: mesclo-a com História Natural. Poesia, sim, saiu agora um livro meu no Brasil, “Tríptico a Solo”, com três livros em um: um deles, “Diário de Lililth”, é poesia. Os outros são A Boba e Ofício das Trevas, outra peça de teatro. Artista plástica, sou-o muito poucas vezes. A Estela Guedes é uma artista, e isso engloba as Letras, as Artes, e até as Ciências. Qual a vertente que mais a preenche? MEG – O que mais me preenche neste momento é assistir aos ensaios d’A Boba. Para fazer qualquer coisinha, tenho de dobrar o Cabo das Tormentas da Preguiça. Dá-me alegria um bom poema, mas uma peça de teatro pode ser encarada como tal. Fico contente quando me convidam para participar nesta ou naquela acção cultural. Entendendo o “preencher” como tempo investido, então quase todo o meu tempo vai para o Triplov, o site internacional que dirijo e de que aliás saiu a Boba, não é? A Boba aprendeu muito no TriploV, pelo menos é o que diz na peça. Que trabalhos tem entre mãos e quais são os seus projectos futuros? MEG – Estou a preparar-me para escrever uma peça de teatro sobre os dois Sebastião, o rei e o santo. Projectos futuros, não tenho nenhum, nunca trabalhei a termo distante. Os meus encargos geralmente são a muito curto prazo. O que me preocupa no momento é o que não tenho ainda entre mãos mas já devia ter: uma palestra que me convidaram a fazer em Guimarães, no Dia da Mulher, dia 10. Em princípio, A Boba estreia a 12. Pelo meio, tenho um passeio co-organizado por mim ao Nordeste transmontano… Preciso de me despachar, o tempo urge… |
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Maria Estela Guedes. Membro da Associação Portuguesa de Escritores, da secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, do Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV (www.triplov.org). Alguns títulos publicados: Herberto Helder, Poeta Obscuro; Eco/Pedras Rolantes; Crime no Museu de Philosophia Natural; Mário de Sá-Carneiro; A_maar_gato; Ofício das Trevas; À la Carbonara; Tríptico a solo; A Poesia na óptica da Óptica. Espectáculos: O Lagarto do Âmbar (Fundação Calouste Gulbenkian, 1987); A Boba (Teatro Experimental de Cascais, 2008). | |
TEATRO MIRITA CASIMIRO / TEATRO EXPERIMENTAL DE CASCAIS Largo do Cruzeiro - Monte Estoril 2765-412 ESTORIL Telef. 214670320 E-mail: t.e.c@netcabo.pt www.tecascais.org |
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encenação Carlos Avilez MARIA VIEIRA em A Boba |
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