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SOPHIA, A VOZ QUE FICA
Selecta de Rui Mendes

SOROR MARIANA - BEJA

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Cortaram os trigos. Agora

A minha solidão vê-se melhor

O Nome das Coisas, 1977
ARTE POÉTICA
 
A dicção não implica estar alegre ou triste

Mas dar minha voz à veemência das coisas

E fazer do mundo exterior substância da minha mente

Como quem devora o coração do leão

Olha fita escuta

Atenta para a caçada no quarto penumbroso

O Búzio de Cós, 1997
CÁ FORA
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Abre a porta e caminha

Cá fora

Na nitidez salina do real

Musa, 1994
A ESCRITA
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No Palácio Mocenigo onde viveu sozinho

Lord Byron usava as grandes salas

Para ver a solidão espelho por espelho

E a beleza das portas quando ninguém passava

Escutava os rumores marinhos do silêncio

E o eco perdido de passos num corredor longínquo

Amava o liso brilhar do chão polido

E os tectos altos onde se enrolam as sombras

E embora se sentasse numa só cadeira

Gostava de olhar vazias as cadeiras

Sem dúvida ninguém precisa de tanto espaço vital

Mas a escrita exige solidões e desertos

E coisas que se vêem como quem vê outra coisa

Pudemos imaginá-lo sentado à sua mesa

Imaginar o alto pescoço espesso

A camisa aberta e branca

O branco do papel as aranhas da escrita

E a luz da vela - como em certos quadros -

Tornando tudo atento

Ilhas, 1989
DERIVA/XIII
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Canção rente ao nada

No silêncio quieto

Da noite parada

Como quem buscasse

Seu rosto e o errasse

 

Navegações, 19 83