Sol de hoje, de M. T. Rodrigues-Leal

 

LUÍS DE BARREIROS TAVARES, org.


Poemas inéditos de Manoel T. R.-Leal: “Sol de Hoje”

Estes doze poemas inéditos de Manoel Tavares Rodrigues-Leal pertencem ao caderno Sol de Hoje (1983). Quase todos eles têm uma tonalidade erótica (p. ex., Como sombrear teu corpo, / rubro como uma romã?). Os restantes, ora apelam ao imaginário de paisagens (p. ex., Verde é a chuva / com limiares vedados.), ora a algumas abordagens reflexivas do sujeito poético (p. ex., Só a escrever me digo e desdigo).


Manoel Tavares Rodrigues-Leal

 

1

Evitai a vã palavra

que o tempo apaga.

 

Evitai o mero silêncio

de que se reveste o vazio.

 

O branco porto é teu corpo

quando se alheia nos meus cabelos

de sexo elos.

 

Lx. 22/9/83

2

A turva manhã fez-se luz:

eleita e vã minha alma flutua

como, de amarelo, um pedaço de lua.

 

Lx. 13/11/83

3

Escreve, pois:

É a ausência a dois…

Manuscrito do poema 3

Lx. 22/9/83

4

É tudo cimento

e uma cinzenta língua de fogo.

 

Onde afogo a angústia

e o lençol de lamento,

parindo o poema

como uma fêmea.

Manuscrito do poema 4

Lx.26/9/83

5

Abro as pálpebras pesadas como chumbo

e na realidade me consinto e esfumo.

Manuscrito do poema 5

26/9/83

6

Nós, breves ilhas,

buscamos as eternas maravilhas.

Nós buscamos a eterna matemática

das noites e dos barcos,

e tememos a brancura ática

dos Pélagos e dos lagos.

 

Lx. 9/10/83

7

Olho, alheio, um dia tão real

como as pálpebras de luz cúmplice.

 

Olho e renasce a mais antiga e vã promessa.

 

Olho e não vejo a vulva do teu desejo.

E as praias começam nas tuas mãos como conchas de cio.

 

Lx. 12/10/83

8

Só a escrever me digo e desdigo,

de enganos me nutro e assisto.

Só a morrer, vivendo, existo.

Só a máscara do umbigo me persigo.

 

Lx. 12/10/83

9

Como sombrear teu corpo,

rubro como uma romã?

Acende-se a nua manhã

e eu colo-me, adoeço no teu corpo

 

Lx. 26/10/83

10

Um cão de raiva

um esqueleto de angústia

 

A doce manhã de chuva

ancorada na planície do teu corpo

 

Assim resumo os meus dias, assim os leio.

 

Lx. 27/10/83

11

Verde é a chuva

com limiares vedados.

 

E assim branca é a luz

que enlouquece os lugares secretos.

 

E assim oiço a tempestade

Desde que se atarde o oiro de este ritmo lunar.

 

Lx. 28/10/2023

12

A data do teu corpo é recente.

Enquanto dura a tempestade…

 

Breve, breve o instante é uma seta

e nós somos o vinho e a água que desertam.

 

Sensual teu corpo madruga, maduro,

como um fruto doirado. Morre o enorme murmúrio.

 

Lx. 31/10/83

 

Manoel Tavares Rodrigues-Leal, c. 1988, Sesimbra