Sobra de todo o silêncio

GIL T. SOUSA

Gil T. Sousa (Portugal, 1957) nasceu e reside  em Vila Nova de Gaia e é Licenciado em Comunicação Social pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Escreveu:  poemas (2001), falso lugar (2004) água-forte (2007) edições privadas do autor e água-forte, poesia reunida, editora medita (2014. É autor do blogue poesia (www.canaldepoesia.blogspot.com) onde publica e divulga poesia regularmente desde 2004. Tem publicação dispersa em revistas digitais e impressas de poesia


sobra de todo o silêncio

o raro acorde

do teu nome

 

a que solidão altíssima

me entregas

quando te deixas morrer assim

no abraço faminto

do tempo?


lição das árvores:

regressamos nus do abandono

 

e como o tempo nada devolve

pairamos sobre a morte

como frutos interrompidos

que ninguém

sabe colher


eram tão simples

as nossas mãos

 

ainda tão simples

e prontas

 

quando

nos procurávamos

 

como se tudo

nos faltasse


cheia

da lentidão das facas

 

a tua sombra

a cortar o tempo


kopenhagen script

-1-

as árvores furiosamente nuas

largam os seus pássaros negros

num outro mês qualquer

e as estradas separam as folhas

rolam as pedras cansadas de sol

para que o sul seja um lugar

onde a água espera

e o destino se esconde

em forma de ilha

 

que mão amputar

se assim nos pedem o frio?

-2-

são tão largas as horas

que se consegue ver

a solidão dum comboio vermelho

a raspar a noite

como homens à procura de uma porta

definhando gloriosamente

 

nas suas estações de

desespero

-3-

pelas gárgulas das catedrais

escoam-se noites antigas

que homens pacientemente sábios

recolhem letra a letra

 

a neve, tão mansa,

guarda-lhes a sombra e os passos

que numa janela alta e distante

um outro homem há-de ler

-4-

às vezes os navios doem

como ópio num pulmão derrotado

 

ou como quando tu ficas

no impossível meridiano da ausência

e eu te aceno de um silêncio

que é quase a loucura dos pássaros


que rebentem estradas

sob os pés

dos que se perderam

 

que nos seus olhos gelados

cresçam fogueiras

*

que o silêncio se curve

como um animal sem voz