Sete poemas em português

LEO LOBOS
Tradução de Enrique Carretero


Leo Lobos  (Santiago de Chile, 1966)  Poeta, ensaísta, tradutor e artista visual. Recebeu o premio UNESCO-Aschberg de Literatura em 2002. Participou de uma residência criativa em CAMAC, Centre d´Art Marnay Art Center em Marnay-sur-Seine, França, nos anos 2002-2003, com o apoio do Fundo Internacional para Cultura e da Fundação francesa Frank Ténot. Fez exposições dos seus desenhos e pinturas, e uma residência criativa de 2003 até 2006 no Centro de Cultura Jardim das Artes em Cerquilho, SP, Brasil. Fez inúmeras exposições coletivas e individuais na França, Brasil e Chile.

Publicou entre outros livros: Cartas de más abajo (1992), +Poesía (1995), Perdidos en La Habana y otros poemas (1996), Ángeles eléctricos (1997), Camino a Copa de Oro (1998), Turbosílabas, Poesía Reunida 1986-2003 (2003), Un sin nombre (2005), Nieve (2006), Vía Regia (2007), No permitas que el paisaje esté triste (2007) e a compilação de poemas NIEVE apresentado na Feira Internacional do Libro de Santiago, junto à Mago Editora, em 2013. Sua obra vem sendo traduzida ao português, búlgaro, inglês, italiano, árabe, francês e holandês.

Suas fotografias, ensaios, desenhos e poemas foram publicados em revistas e antologias no Chile, Argentina, Peru, Brasil, Cuba, Estados Unidos, México, Tunísia, Espanha, Portugal, Bulgária, França, Itália e Alemanha.

Leo Lobos fez traduções de autores de língua portuguesa para o espanhol, entre eles Roberto Piva, Hilda Hilst, Claudio Willer, Tanussi Cardoso, Herbert Emanuel de Oliveira, Paulo Leminski e José Castelo. Seus desenhos, poemas visuais e pinturas formam parte de coleções privadas e publicas no Chile, México, Estados Unidos, Brasil, Espanha e França. Em 2003 recebe a bolsa artística do Fundo Nacional da Cultura e das Artes do Ministério de Educação do Chile, e em 2008  a bolsa de criação para escritores profissionais do Conselho Nacional da Cultura e das Artes do Chile.

Ele se destaca na atividade de gestão cultural, tendo desenvolvido projetos em espaços culturais como o Centro Bibliotecário de Puente Alto, projeto das Empresas CMPC, o Governo da Provincia Cordillera, da Prefeitura de Puente Alto. Foi gestor e responsável de projetos na Corporación Cultural e o Centro Cultural Chimkowe em Peñalolén, Santiago, e também como residente no centro de arte CAMAC em Marnay-sur-Seine, França e no espaço Jardim das Artes, SP, Brasil. Atualmente trabalha como gestor, administrador e coordenador do espaço cultural Taller Siglo XX Yolanda Hurtado e como secretário executivo da Fundação Hoppmann-Hurtado na cidade de Santiago, onde reside.


Enrique Carretero, nascido em Santiago do Chile, é poeta e tradutor. Formado em letras Português/Grego, na USP, publicou seu primeiro livro de poemas, Travessias, pela editora Patuá em 2014.


Buscando luzes na cidade luz

 

Busca que busca

a luz da palavra atravessando

rios e lagos

mares e montanhas se internando em

cidades labirintos atuais bosques

submersos de Santiago a Boston de

Nova Iorque a Paris, Paris, Paris e neste

bosque branco que, outra coisa, a mesma coisa

a vejo detida ali na rua

pensando quiçá no eco

das águas entre a multidão e os carros velozes

buscando a luz, as luzes de uma pele

que ninguém poderá ferir

enquanto perdidos pedestres

lhe perguntam por onde

por qual caminho por qual lugar se entra

se sai do espelho

onde por momentos conseguem escutar um triste Lewis Carrol

chorar por uma menina chamada

Alice presa por ele numa

história

paradoxal

 

A Paz Carvajal e à tão necessária paz
para este mundo e o outro


Três mulheres, um piano, um gato e uma tormenta

 

É difícil ser um pássaro

e voar contra a tormenta sobre

a cicatriz da Terra

melhor é como um gato estar

sempre atento às brasas

perto da chaminé

e escutar sempre atento escutar

três línguas diferentes falar

um idioma ao mesmo tempo fascinante

ao mesmo tempo misterioso e conhecido

ouvir e ir na sua música

nas suas luzes e próprias

e universais sombras

fotografar por apenas um segundo

fotografar com o olhar seus perfis

fosse possível

flutuar dentro da sala

como um pássaro na tormenta

 

A Alexandra Keim


Picnic no Parque Central

 

 

Observo a bela reserva d’água da

cidade de Nova Iorque no Parque Central e

me emociona pensar quão longe estou da pessoa que fui,

plantamos nossa bandeira atrás da estátua do rei da

Polônia e enxergamos claramente dali os patos

selvagens que nadam perto da beira do lago onde crianças

jogam farelos de pão, os esquilos nos rodeiam com timidez,

enquanto brilha o horizonte de espelhados edifícios

iluminados pelo sol da tarde.

 

O trem subterrâneo nos leva de volta ao centro

da cidade Times Square é uma festa e nos somamos

felizes a uma multidão multirracial.

 

 

A Levana Saxon,
Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux


Una secreta forma

 

As palavras como o rio na areia
se enterram na areia
Roberto Matta

 

O automóvel está possuído pela força

dos animais que o habitam

como uma carruagem puxada por cavalos

sobre pedras úmidas de um passado verão

Rio de Janeiro aparece de repente como

a secreta forma que o Atlântico

deixa entrever pelos seus morros de açúcar:

baleias à distância algo

comunicam a nossa humanidade surda

e enceguecidas pelo sol preparam seu próximo voo

caem elas então mais uma vez como

o fazem há séculos

caem e crescem nas profundidades

caem e crescem no seu líquido amniótico.


A partir

 

Sou sírio. O que te surpreende, estrangeiro, se
o mundo é a pátria em que vivemos todos, partidos pelo caos?
Meleagro de Gádara, 100 a.C.

 

 

a partir dos lugares criar

 

aos superficiais

aos sem coração não dar ouvidos

e a partir dos lugares criar

pelos contornos do globo

mover-se cauteloso

atento aos sinais

ao instinto

 

em pé ao pé terrestre ao mar

um trem noturno

 

ser

 

um aéreo modelado pelo tempo


Um dia é hoje

 

Eu gostaria de te contar, Brasil, muitas coisas caladas,
carregadas nestes anos entre a pele e a alma,
sangue, dores, triunfos, o que deve ser dito
entre os poetas e o povo: será uma outra vez, um dia
Pablo Neruda

 

Se tivesse madeira e ilusões
Faria um barco e pensaria o arco-íris
Hilda Hilst

 

 

Um dia é preciso parar de sonhar

e de algum modo partir

partir de ti, de mim também

e escrever

escrever lentamente

falar

falar de algo

algo ver

desenhar

sob a chuva de estes dias pintar

raios

minhas letras

sobre

uma tela ardente

 

Ao viajante incansável Amir Klink


 

Debret pinta os mais extensos reinos

 

um fotógrafo não nascido em dias para isso

um fotógrafo sem máquinas pinta

isto é desenha

pergunta e pinta

pelo seu filho morto tão jovem

 

onde a luz irei tua voz buscar?

 

agora que só a dor o ata a Paris parte

parte com suas lembranças ao mais extenso dos reinos

para ensinar arte ar para respirar sob o sol de 1816

 

Brasil é um gigante deitado

e a baia da Guanabara o recebe dormindo

 

você pinta e faz tudo

tudo é necessário guardar para nós:

 

a família real, um galho de café, suas flores, seus frutos,

carnaval, proprietários de pessoas, a princesa Leopoldina,

tabaco em flor, o imperador e sua coroação,

desfiles de meio dia, vendedores negros,

escravos sangrando na praça.

 

A primeira exposição pública de arte no Brasil

é o tropical 1829

33

82

115

números de ilusão

sombras tempo luz gravada

sob a lente imaginária

de um pincel

 

À memória do pintor francês Jean Baptiste Debret (1768 – 1848)
Ao pintor chileno Alex Chellew


LEO LOBOS