MARIO MELÉNDEZ
Sete poemas de Mario Meléndez traduzidos por Maria Soledade Santos
LEMBRANÇAS DO FUTURO
A minha irmã acordou-me muito cedo
esta manhã e disse-me
“Levanta-te, tens de ver isto
o mar encheu-se de estrelas”
Maravilhado com aquela revelação
vesti-me apressadamente e pensei
“Se o mar se encheu de estrelas
tenho de apanhar o primeiro avião
e ir colher todos os peixes do céu”
RECUERDOS DEL FUTURO
Mi hermana me despertó muy temprano
esa mañana y me dijo
“Levántate, tienes que venir a ver esto
el mar se ha llenado de estrellas”
Maravillado por aquella revelación
me vestí apresuradamente y pensé
“Si el mar se ha llenado de estrellas
yo debo tomar el primer avión
y recoger todos los peces del cielo”
in – https://www.poemas-del-alma.com/mario-melendez.htm
A ÚLTIMA CEIA
E o verme mordeu o meu corpo
e dando graças
repartiu-o entre os seus dizendo
“Irmãos
este é o corpo de um poeta
tomai e comei todos
mas fazei-o com respeito
cuidai de não lhe danificar o cabelo
os olhos ou os lábios
guardá-los-emos como relíquia
e cobraremos entrada a quem quiser vê-los.
Enquanto isto
alguns dispunham as flores
outros mediam a profundidade da cova
e os mais ousados insultavam os parentes
ou dormiam simplesmente à sombra de um espinho.
Mas uma vez terminado o banquete
o mesmo verme tomou o meu sangue
e dando graças também
o repartiu entre os seus dizendo
“Irmãos
este é o sangue de um poeta
sangue que vos será entregue
para regozijo das vossas almas
bebamos todos até cair embriagados
e lembrai
o último a permanecer de pé
reunirá os restos do defunto”
E o último que ficou de pé
não só reuniu os restos do defunto
os olhos, o cabelo
e uma parte apreciável do estômago
e os músculos que não foram devorados
juntamente com as roupas
e um ou outro objecto de valor
como também escreveu com sangue
com o mesmo sangue derramado
escreveu sobre a lápide
“Aqui jaz Mario Meléndez
um poeta
as palavras não vieram despedir-se
doravante nós os vermes falaremos por ele”
LA ÚLTIMA CENA
Y el gusano mordió mi cuerpo
y dando gracias
lo repartió entre los suyos diciendo
“Hermanos
éste es el cuerpo de un poeta
tomad y comed todos de él
pero hacedlo con respeto
cuidad de no dañar sus cabellos
o sus ojos o sus labios
los guardaremos como reliquia
y cobraremos entrada por verlos”
Mientras esto ocurría
algunos arreglaban las flores
otros medían la hondura de la fosa
y los más osados insultaban a los deudos
o simplemente dormían a la sombra de un espino
Pero una vez acabado el banquete
el mismo gusano tomó mi sangre
y dando gracias también
la repartió entre los suyos diciendo
“Hermanos
ésta es la sangre de un poeta
sangre que será entregada a vosotros
para el regocijo de vuestras almas
bebamos todos hasta caer borrachos
y recuerden
el último en quedar de pie
reunirá los restos del difunto”
Y el último en quedar de pie
no solamente reunió los restos del difunto
los ojos, los labios, los cabellos
y una parte apreciable del estómago
y los muslos que no fueron devorados
junto con las ropas
y uno que otro objeto de valor
sino que además escribió con sangre
con la misma sangre derramada
escribió sobre la lápida
“Aquí yace Mario Meléndez
un poeta
las palabras no vinieron a despedirlo
desde ahora los gusanos hablaremos por él”
PARA ALÉM DA GUITARRA
A Víctor Jara
Para além da guitarra
estão as mãos separadas da pátria
um som de asas que arde
e me queima os sapatos
um convite a urinar sobre a terra
com a semente pura do canto
Para além da guitarra
o sangue desenha uma música violenta
e a cabeça do cantor enche-se de buracos
e de beijos com odor a morte
Para além da guitarra
os caminhos choram
a chuva chora e cai de joelhos
porque o filho da terra
não pode completar os seus passos
Para além da guitarra
para além do estampido
que apagou os corações
para além deste poema
e com a ferida inesquecível
de um tempo inesquecível
os olhos procuram Víctor
para além da guitarra
e da pátria.
MÁS ALLÁ DE LA GUITARRA
A Víctor Jara
Más allá de la guitarra
están las manos separadas de la patria
un sonido de alas que arde
y quema mis zapatos
una invitación a orinar sobre la tierra
con la semilla pura del canto
Más allá de la guitarra
la sangre dibuja una música violenta
y la cabeza del cantor se llena de agujeros
y de besos con olor a muerte
Más allá de la guitarra
los caminos lloran
la lluvia llora y cae de rodillas
porque el hijo de la tierra
no completará sus pasos
Más allá de la guitarra
más allá del estallido
que apagó los corazones
más allá de este poema
y con la herida inolvidable
de un tiempo inolvidable
los ojos buscan a Víctor
más allá de la guitarra
y de la patria
A OUTRA
O Capuchinho Vermelho nunca imaginou que O Lobo a deixaria por outra.
Nunca fez caso dos conselhos que em matéria amorosa lhe dava
A Avozinha. Assim, uma manhã O Lobo disse-lhe: “Capuchinho,
quero acabar. Perseguir-te pelo bosque já não me excita;
já não me agrada disfarçar-me de avozinha para que tu me digas
as tolices de sempre, que tenho as orelhas tão grandes
e os dentes tão afiados, e eu, como um parvo, responda que são
para te ouvir, cheirar e ver melhor. Não, Capuchinho, o nosso caso
já não tem remédio”. Então o Capuchinho, perplexo com aquela
confissão, lançou-se a correr para tão longe quanto pôde pensando
no tipo de mulher que teria conquistado o coração do seu amante.
“É ela, tem de ser ela”, repetia a menina, enquanto procurava
desesperadamente a casa da idosa. “Avozinha”, gritou por fim,
quando viu a figura deitada no leito, “como pudeste
fazer-me uma coisa destas? Tu, a amiga em quem eu mais confiava?”
“Lamento”, respondeu a outra, “nunca pensei engravidar, na minha idade,
e menos ainda de alguém tão pouco inteligente e sem imaginação. No entanto,
é um lobo responsável, que não hesitou um minuto em propor-me
casamento assim que soube da notícia. Lamento, Capuchinho, terás
de procurar outro. Afinal de contas, este não é o único lobo
do mundo, pois não?”
LA OTRA
Caperucita nunca imaginó que El Lobo la dejaría por otra.
Nunca hizo caso de los consejos que en materia amorosa le daba
La Abuelita. Por lo que una mañana El Lobo le dijo: “Caperucita,
quiero terminar contigo. Ya no me excita perseguirte por el bosque;
ya no me agrada disfrazarme de abuelita para que tú me digas
tus tonterías de siempre, que si tengo las orejas grandes y esos
colmillos tan filudos, y yo, como un estúpido, responda que son
para oírte, olerte y verte mejor. No, Caperucita, lo nuestro ya
no tiene remedio”. Entonces Caperucita, desconcertada por aquella
confesión, se echó a correr tan lejos como pudo pensando en la
clase de mujer que había conquistado el corazón de su amante.
“Es ella, tiene que ser ella”, repetía la niña, mientras buscaba
desesperadamente la casa de la anciana. “Abuelita”, gritó al fin,
cuando hubo contemplado la figura que yacía en el lecho, “¿cómo
pudiste hacerme esto? tú, la amiga en quien yo más confiaba”.
“Lo siento”, dijo la otra, “nunca pensé quedar embarazada a mi edad,
y menos de alguien tan poco inteligente e imaginativo. No obstante,
él es un lobo responsable, que no dudó por un minuto en ofrecerme
matrimonio al conocer la noticia. Lo siento, Caperucita, tendrás
que buscarte otro. Después de todo, no es este el único lobo
en el mundo, ¿o no?”.
UM DIA VOLTAREI AOS TEUS OLHOS
Um dia voltarei aos teus olhos
e começarei de novo
voltarei com um som oco de metal
e sol molhado.
Buscarei entre os papéis do tempo
o teu corpo verde e os teus cabelos de uva
coroar-te-ei em silêncio com a minha boca
e com as minhas mãos que não terminam
Voltarei por ti e pelo teu sangue estrelado
vendo passar a tarde como uma sombra antiga
algo se rasgará lá em cima e não seremos nós
algo se queimará de súbito com o eco dos teus lençóis
e eu voltarei mais vivo, mais puro, mais faminto
voltarei voando e rasgando penas
tudo farei por ti, tudo em silêncio
até os galos prolongarão a noite
quando te virem nua
UN DÍA VOLVERÉ A TUS OJOS
Un día volveré a tus ojos
y comenzaré de nuevo
volveré con un sonido hueco de metal
y sol mojado
buscaré entre los papeles del tiempo
tu cuerpo verde y tus cabellos de uva
te coronaré en silencio con mi boca
y con mis manos que no terminan
Volveré por ti y por tu sangre estrellada
viendo pasar la tarde como una sombra antigua
algo se romperá allá arriba y no seremos nosotros
algo se quemará de pronto con el eco de tus sábanas
Y volveré más vivo, más puro, más hambriento
y volveré volando y desgarrando plumas
todo lo haré por ti, todo en silencio
que hasta los gallos prolongarán la noche
cuando te vean desnuda
SANGUE NO EXÍLIO
Quando o Inverno chegou ao Chile
milhares de pássaros voaram com as primeiras chuvas
estavam assustados entre a sombra e a morte
e preferiram emigrar com as suas vidas para outras vidas
Tomaram o primeiro avião desesperados
lançaram-se aos cais perseguindo barcos
cruzaram montanhas fugindo das lanças
e deixaram atrás de si a pátria e os herdeiros da fome
Alguns nunca descolaram
arrancaram-lhes as asas no intento e na luta
despareceram com nome e apelido
sob as árvores de ferro
aprisionaram-nos em jaulas por espécies
e quando anos mais tarde os encontraram
tinham a carícia do corvo entre as penas
Os outros, os perseguidos
os pássaros dos povoados que conseguiram atravessar a morte
tiveram de se acostumar a voar de outra maneira
a sentir de outra maneira, a respirar de outra maneira
A terra alheia recebera-os
a terra amiga convidava-os para a sua mesa
convidava-os a partilhar o pão e as dores
Na sua agonia muitos sonhavam
ver a pátria uma última vez
mas a pátria também agonizava
quisera voar com as asas despedaçadas.
SANGRE EN EL EXILIO
Cuando llegó el invierno a Chile
miles de pájaros volaron con la primera lluvia
estaban asustados entre la sombra y la muerte
y prefirieron emigrar con sus vidas hacia otras vidas
Tomaron el primer avión desesperados
se arrojaron a los muelles persiguiendo barcos
cruzaron las montañas huyendo de las lanzas
y dejaron atrás la patria y a los herederos del hambre
Algunos no despegaron jamás
les arrancaron las alas en el intento y la lucha
desaparecieron con nombre y apellido
bajo los árboles de hierro
los encerraron en jaulas por especies
y cuando años después los encontraron
tenían la caricia del cuervo entre sus plumas
Los otros, los perseguidos
los pájaros del pueblo que lograron atravesar la muerte
debieron acostumbrarse a volar de otra manera
a sentir de otra manera, a respirar de otra manera
La tierra ajena los había recibido
la tierra amiga los invitaba a su mesa
a compartir el pan y sus dolores
Muchos incluso en la agonía
soñaron con ver la patria por última vez
pero la patria también agonizaba
había querido volar con sus alas rotas
APONTAMENTOS PARA UMA LENDA
Uma mulher está parada numa ponte
que nunca existiu
A sua pele que nunca foi beijada
flutua sobre as águas do tempo
como uma lembrança sem rosto
Uma carta nunca lida
esforça-se por alcançar a margem
no intuito de que alguém a encontre
Um homem que nunca leu
que não sabe ler
que nunca aprendeu
encontra a carta e o corpo
debaixo da ponte
O homem chora de impotência
enquanto a carta se desfaz
entre os seus dedos
O rio que está cheio de lágrimas
condói-se daquele homem
e revela-lhe o segredo da carta
E o homem louco de amor
reúne as suas noites e sonhos
para se lançar dessa ponte
que nunca existiu
APUNTES PARA UNA LEYENDA
Una mujer está parada sobre un puente
que no existió jamás
Su piel que jamás fue besada
flota sobre las aguas del tiempo
como un recuerdo sin rostro
Una carta que jamás fue leída
lucha por alcanzar la orilla
para que alguien la descubra
Un hombre que jamás ha leído
que no sabe leer
que no aprendió jamás
halla la carta y el cuerpo
debajo de ese puente
El hombre llora de impotencia
mientras la carta se deshace
entre sus dedos
El río que está lleno de lágrimas
se apiada de aquel hombre
y le revela el secreto de esa carta
Y el hombre loco de amor
junta sus noches y sus sueños
para arrojarse de ese puente
que no existió jamás
Mario Melendez . “Antologia Poética” in www.artepoetica.net
Maria Soledade Santos (Portugal, 1957). Poeta e Tradutora. Publicou “Quatro Poetas da Net” (Edições Sete Sílabas, 2002) e “Sob os teus pés a terra” (Artefacto, 2011); participou em “Divina Música”, Antologia de Poesia sobre Música, Viseu, 2010.
Mantém os blogues de poesia e tradução:
http://metade-do-mundo.tumblr.
Mario Meléndez (Linares, Chile, 1971). Estudió Periodismo y Comunicación Social. Entre sus libros figuran: Apuntes para una leyenda, Vuelo subterráneo, El circo de papel, La muerte tiene los días contados, Esperando a Perec y El mago de la soledad. En 1993 obtiene el Premio Municipal de Literatura en el Bicentenario de Linares. Sus poemas aparecen en diversas revistas de literatura hispanoamericana y en antologías nacionales y extranjeras. Parte de su obra se encuentra traducida al italiano, inglés, francés, portugués, holandés, alemán, rumano, búlgaro, persa, catalán, macedonio, griego y árabe. Durante cuatro años vivió en Ciudad de México, donde dirigió la serie Poetas Latinoamericanos en Laberinto ediciones y realizó diversas antologías sobre la poesía chilena y latinoamericana. Actualmente radica en Italia. A comienzos del 2013 recibe la medalla del Presidente de la República Italiana, concedida por la Fundación Internacional don Luigi di Liegro. Una selección de su obra apareció en la prestigiosa revista Poesia de Nicola Crocetti. Al inicio de 2015 es incluido en la antología El canon abierto. Última poesía en español (Visor, España). En 2017 algunos de sus poemas aparecen traducidos al inglés en la mítica revista Poetry Magazine de Chicago. A partir de 2018 es encargado internacional de la Fundación Vicente Huidobro. Es considerado una de las voces más importantes de la nueva poesía latinoamericana.