Sete Margens e Sete Montes

 

 

 

 

 

 

Frei BENTO DOMINGUES, O.P.


7MARGENS E 7MONTES

  1. O Jornal digital7Margens fez 5 anos no passado dia 7 de Janeiro. Em 2019, nasceu da vontade de um pequeno grupo de jornalistas especializados que encontrou eco entre vários grupos que, então, contactaram. Como eles próprios dizem, no horizonte deste jornal, estavam algumas preocupações: o cada vez menor lugar dado ao fenómeno espiritual e religioso pelos média generalistas; a falta de um espaço onde os crentes (sobretudo os católicos, expressão ainda maioritária no país) possam debater ideias, quer sobre o que se passa no interior das suas comunidades, quer sobre a relação da sua fé com a sociedade; a ausência de expressão pública das minorias religiosas; a falta de maior atenção a vários temas ligados aos direitos humanos, ao cuidado da casa comum e à justiça social[1].

É já uma referência na informação e no aprofundamento do debate religioso. Entretanto, mostrou a sua fecundidade com um novo título: 7Montes.

Este novo Jornal digital resultou de uma iniciativa sem fins lucrativos lançada pelo 7Margens e selecionada, no passado mês de Dezembro, para receber o financiamento do programa europeu Local Media for Democracy, destinado a servir comunidades locais que residam em áreas consideradas «desertos noticiosos». Centrado na realidade de Trás-os-Montes, o 7Montes pretende, através da difusão de notícias, histórias e realidades, «apoiar a capacidade de gerar futuro» naquela que é uma das regiões mais isoladas e esquecidas de Portugal[2].

  1. De Trás-os-Montes, era o Frei Augusto José Matias (1947-2024), falecido no passado dia 17. Este dominicanonasceu na freguesia de Franco, concelho de Mirandela. Entrou na Ordem dos Pregadores (Dominicanos) a 4 de Agosto de 1965. Foi ordenado diácono em Maio de 1981.

O frei Matias viveu marcado por questões sociais. Foi animador cultural em bairros degradados integrado num projecto da UNESCO, para dois bairros – Curraleira (Lisboa), Estrada de Benfica (Amadora) – sobre «educação social, alfabetização, questões de higiene ambiental, planeamento familiar, além de outros apoios mais de circunstância». Para a mesma paisagem social, editou os Cadernos Libertar com uma metodologia, próxima de Paulo Freire, com o título, Isto tem que mudar.

Na sua configuração, a reflexão teológica era também uma preocupação constante. Entre 1977 a 1991 editou o jornal Libertar que apresentou deste modo: «Pretende dar notícia da Igreja portuguesa, textos de reflexão aproximada desses acontecimentos e tratar problemas mais importantes entre a Igreja e a política. Fazer textos simples sobre o Evangelho, teologia simples e popular».

Todas as celebrações da Eucaristia são uma resistência contra a morte, não morrerás. O Frei José Nunes, OP, foi o que nos disse no funeral do Frei Matias, lembrando-nos as muitas facetas da vida deste nosso Irmão.

O Frei Matias não precisou da vinda do Papa Francisco para entender e viver a recusa radical de estatutos de grandeza. Nem sequer quis ser padre e trabalhou silenciosamente, durante muitos anos, numa tipografia.

Lutou pela defesa da justiça e partilha de vida com os mais pobres. Foi militante antifascista, membro do CIDAC (que deu seguimento ao Boletim Anti-Colonial), activista em numerosos grupos de Justiça e Paz, trabalhador silencioso em bairros de barracas (as favelas de Lisboa…).

Simultaneamente, gastou grande parte dos seus anos a servir os irmãos nas comunidades de Lisboa, Barreiro ou Fátima, como ecónomo conventual, ecónomo provincial, Procurador das Missões, etc. Foi também, durante muitos anos, o grande animador do ISTA (Instituto São Tomás de Aquino).

Soube viver na alegria, dando alegria aos outros. Este filósofo e poeta dizia: «Eu rio-me do riso»! Mas não tolerava a solidão da sua mãe e, por isso, foi durante anos cuidar dela.

A este Irmão diz o livro do Apocalipse: «Bem-aventurados os que dormem no Senhor, porque agora descansam dos seus trabalhos e as suas obras os acompanham».

Não me admira a notícia de que existem várias iniciativas para não deixar morrer o seu exemplo.

  1. No Domingo passado, quando me referi à Quaresma, foi na perspectiva e com as palavras do Papa Francisco: vencer com alegria as mil tristezas que nos assaltam.

O olhar inicial de Jesus não se dirigia ao pecado, mas ao sofrimento. Esta é a metáfora de todos os milagres: do paralítico, do coxo, do cego, do leproso, do defunto, etc. Para Ele, pecar era virar as costas ao sofrimento dos outros, negar-se a não estar junto de quem sofre.

A narrativa de S. Marcos, que a liturgia de hoje nos apresenta, mostra-nos uma igreja em movimento. Pedro, Tiago e João são figuras alteradas, modificadas e sempre expostas a novas transfigurações.

Estes discípulos preferiam o sossego do passado: Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés, outra para EliasNão sabiam o que diziam, pois estavam atemorizados. Veio então uma nuvem que os cobriu com a sua sombra e da nuvem fez-se ouvir uma voz: Este é o meu Filho muito amado: escutai-O. De repente, olhando em redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles. Ao descerem do monte, Jesus ordenou-lhes que não contassem a ninguém o que tinham visto, enquanto o Filho do homem não ressuscitasse dos mortos. Eles guardaram a recomendação, mas perguntavam entre si o que seria ressuscitar dos mortos[3].

A Ressurreição é considerada a expressão máxima da fé cristã. Repetimos isto muitas vezes, mas esquecemo-nos de perguntar o que é que isso significa. Significa que que não podemos consentir no mundo como ele está, tudo isto tem que mudar (Frei Matias). Acreditar na Ressurreição é uma forma de resistir à morte.

 

[1] Cf. 7Margens, 06. 01. 2023

[2] Cf. Clara Raimundo, 7Margens, 24. 01. 2024

[3] C. Mc 9, 2-10


25 Fevereiro 2024