JOSÉ AUGUSTO MOURÃO

 

Deus na literatura
O Nome e as formas(2)

   
Mortes anunciadas .

Como a teologia, a literatura entrou também em processo. A Literatura está a morrer. Sintomas da morte da literatura são, por exemplo, as mudanças tecnológicas (1). A coisa pode dizer-se muito brutalmente – “Il n'y a pas d'essence ni substance de la littérature – la littérature n'est pas, elle n'existe pas (2).” Não há nada de acidental, de resto, no encontro da desconstrução e da literatura. “A desconstrução é inseparável da questão da literatura, anuncia outras práticas de escrita que operam a subversão do logocentrismo; a desconstrução é talvez o tecido secreto da literatura”, escreve M . Goldschmit (3). Há, sim, uma heteronomia que nos entrega na literatura àquilo a que Hélène Cixous sobrenomeia a “Toute-puissance-autre”. Os dois traços de união entre estas três palavras parecem destinados a marcar que estas três significações, o absoluto, o poder e alteridade são no fundo a mesma coisa, a mesma Causa e a mesma lei – como literatura (4). “Que cette Toute-puissance-autre nous prive, sous le nom de littérature, du droit ou du pouvoir de trancher entre le littéraire et le non-littéraire, entre la fiction et le témoignage documentaire, voilà une situation sans équivalent au monde et dans l'histoire de l'humanité» (Ibidem, p. 6).

A querela iconoclasta que Niceia (787) pretende regular atravessa todas as idades como um questionamento de fundo. Roberto Calasso escreveu um ensaio sobre os deuses que habitam a literatura - trata-se dos deuses, não do monoteísmo - partindo desta afirmação: se a sua evocação é tão frequentemente efeito de estilo na literatura moderna, a sua presença na Grécia foi acontecimento, evidência; volta a sê-lo para a "escola pagã", de Hölderlin a Baudelaire. “Os deuses são hóspedes fugazes da literatura. Atravessam-na, com a esteira dos seus nomes. Mas também a abandonam, pouco tempo depois”... “Tudo acaba em história da literatura” (5). Pode perguntar-se: onde está a "onda mnemónica" que ainda aflorava em Hölderlin e Nitzsche? Estão eles na crista da vaga (como em Voltaire)? E qual é a diferença entre a epifania antiga e aquela que pode sobrevir? A esperança do regresso de Dionísio converteu-se em paródia (Lautréamont), a literatura é agora a cena em que os deuses e os espectros reinam. Hoje (cap. VIII), os deuses apenas se manifestam como acontecimentos mentais; é uma situação de sempre, no fundo porque "contrariamente à ilusão moderna, as forças psíquicas são fragmentos das forças dos deuses, e não os deuses os fragmentos das forças psíquicas".

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Notas

(1) J. Hillis Miller, On Literature , Routledge, London e New York , 2002, p.10.

(2) Jacques Derrida, “Demeure”, in Passions de la littérature , Paris, Galilée, 1996, p. 93.

(3) Marc Golschmit, op. cit. , p. 114.

(4) Jacques Derrida, Génèses, généalogies, genres et le génie , Paris, galilée, 2003, p. 67.

(5) Roberto Calasso A Literatura e os Deuses , Gótica, 2003, p.11.

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