JOSÉ AUGUSTO MOURÃO, op
(UNL-DCC)

José Augusto Mourão acaba de publicar, na Assírio e Alvim, um volume de 320 páginas em que reuniu os seus poemas, O Nome e a Forma. Apresenta a obra José Tolentino de Mendonça.

Três poemas de O Nome e a Forma

do desejo

não se extinga o desejo que nos faz viver,
Deus do nosso desejo

alimenta em nós o fogo das paixões
que nos leva a agir
e o fogo da palavra que por dentro queime
e faça escuta

tu que és o guardião do nosso desejo,
aviva a chaga que o nosso imaginário
constantemente quer sem falha;
que vivamos o nosso desejo sem culpabilidade

circuncide-nos o coração a espada do amor,
pregão antigo e novo
em nosso corpo adormecido e acordado

apocalipse

virei
reiteradamente
como as estações das flores
virei como o animal ou o corsário
semear o vento que vos lembre a morte
(e vós que vos fechais em vossa vã imagem e vossos trapos,
vós que adorais Deus olhando-vos ao espelho,
tremei de vosso assento de carne fustigada
há muito que Ele deixou às vossas portas as sandálias)
virei na eclosão das vagas
envolto em tudo quanto a vida trabalha
virei no desregramento do vento
e em vosso pasmo
assim eu cante o vinho
que sobe o rio às costas dos vindimadores
virei no circuito da palavra
que se quebra como um ramo de água
e deixareis as armas para falar sem ritos
morre-se quando de nós ficam ficaram restos
que ninguém recolhe
virei no som de Stockhausen
e quantos desconstruíram a harmonia
e o mundo antigo
para que habiteis o tempo
como quem habita as fontes
cheios de barulhos por dentro
como o vinho
à cabeça das vindimadeiras

habitar o mundo

Deus criador, Arquitecto
do mundo diverso
na ordem e na justiça
assenta o Universo

nós somos as pedras do templo
peregrinos a caminho
da Presença diferida
e do Sopro que nos guarda

às portas do silêncio
vigiamos o invisível
o incenso que trazemos
sobe do nosso chão

para reerguer o mundo
à altura que Deus quer
para clarear a vida
à luz do ressuscitado

Deus está à porta e bate
abramos a vida à luz
que trespassa o vidro e a cal
sem quebrar nem destruir

vem Senhor Jesus, vem Palavra
libertar a casa e o (rito)muro
vem abrir a casa ao mundo
e o Amor aos mal-amados

este é o lugar de refazer
os nós, as alianças
ergamos juntos o louvor
que nos abriga e larga

o templo manifesta
a presença amante
Deus é nossa festa
o perto e o distante

entremos na barca que leva
da noite escura ao claro dia c
aminhemos para a Fonte
de onde vem a salvação

José Augusto Mourão

O NOME E A FORMA
Poesia reunida

 

Assírio e Alvim, Lisboa, 2009

O Deus escondido de Frei José Augusto
Por Maria Estela Guedes

Publicado na Velocipédica Fundação, em:
http://fundacaovelocipedica.wordpress.com/