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José Augusto Mourão |
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Ciência e religião: encontros e desencontros |
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O declínio do religioso |
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O religioso declina desde há séculos:
este declínio não é a morte de Deus anunciada por Nietzsche (que fala
sobretudo de uma refundação religiosa da sociedade)[1],
mas também não se identifica com aquilo de que fala Régis Debray nem com
a sua ideia do “regresso do religioso”, que reveste por vezes formas
abastardadas (seitas) ou integristas (que encorajam, em nome do ideal,
uma explosão da pulsão de morte)[2].
Este declínio é mais rápido e pronunciado no Ocidente cristão, na
própria América do que noutros sítios. Nem o fundamentalismo americano
nem o fundamentalismo islâmico vão contrariar este declínio. A
religião popular, conotada com crenças e práticas qualificadas de
“supersticiosas”, ou mágicas, marginalizadas ou combatidas pelo poder
eclesial, permitiu pôr em causa a imagem de uma religião cristã uniforme
e logocêntrica[3].
Falar hoje de ”virtude da religião” é utilizar uma expressão que deixou
de ter sentido na linguagem comum, sobretudo porque decorre, ou da
apresentação clássica da moral católica, ou porque designa o estado
de vida do monge e do religioso. Também não podemos hoje falar
unicamente da religião – que durante muito tempo se confundiu com a
religião católica – mesmo se Lacan diz que a verdadeira religião é a
romana, mas das religiões em geral[4].
E. Troelstsch (1865-1923) sugere a ideia duma relativização cultural das
religiões, segundo as “particularidades individuais das diferentes
esferas culturais e raciais” e a “especificidade das suas estruturas
religiosas integrantes”. O encontro com as tradições religiosas de
outras culturas, no quadro duma plataforma ecuménica alargada devia
permitir a emergência de uma outra perspectiva, com consequências
inevitáveis sobre o plano teológico. O diálogo interreligioso
decorre do volte face que a Igreja católica assume desde o Concílio
Vaticano II (1962-1965) e depois na declaração Nostra aetate
sobre as suas relações com as religiões não-cristãs. O que se procura
agora nas diferentes religiões é a resposta aos enigmas escondidos da
condição humana. Os homens não testemunham apenas da sua abertura à
última realidade que é Deus: a sua atitude religiosa traduz uma certa
percepção da pujança escondida que governa a sua vida, por mais
desconcertantes que sejam as derivas desse novo mal-estar na nossa
civilização que são os regressos da necessidade de acreditar. Desde o
começo tudo o que é religião consiste em dar sentido àquilo que eram
outrora coisas naturais[5].
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[1]
F. Nietzsche,
Le gai savoir, trad. de P. Klossowski, in Oeuvres
philosophiques completes, vol.
V, Paris,
Gallimard, 1982, p. 150.
[2]
R. Debray, Le Feu sacré,
Fonctions du religieux, folio essais Paris, Gallimard, 2003.
[3]
F.-A. Isambert, 1982. Jean-Yves Lacoste (dir.)
Dictionnaire critique de Théologie, Paris, PUF, 1998.
[4]
Lacques
Lacan, Le Triomphe de la Religion, Paris, Seuil, 2005, p.
87.
[5]
J.
Lacan, op. cit.
p. 80. |
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Ciência e religião: encontros e desencontros - Index |
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José Augusto Mourão, dominicano, escritor, é professor na Universidade Nova de Lisboa, co-director do CICTSUL - Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa, presidente do ISTA - Instituto S. Tomás de Aquino, e coordenador do TriploV. |
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