Seis contos para um serão

 

JOÃO PEREIRA DE MATOS


1.

Mistério no Mar

 

«Cuidado com os perigos do mar», disse a mãe de Roly.

Conheça o detetive Diego Armando Lopes, responsável pelo porto de Haulofe, onde as vítimas foram encontradas.

Conseguem imaginar os pais do bebé quando o reencontraram, e na posse do famoso diamante?

Como a encontra, teme a pouca calma que poderá ter a mulher.  Escolta-a até ao barco.

Mais de três horas depois de uma mulher e um bebé terem sido resgatados do mar,  à deriva. Um helicóptero procurou-os toda a  manhã, mas não havia sinal da escuna na qual seguiam, foram assim encontrados os dois elementos e as duas vítimas.

Quando foi ouvido por um juiz, Roly Arruda, de 42 anos, diz que, à passagem para o exterior, contou como  tinha cobiçado o diamante, tinha «um bonito ouvido» para essas coisas. Logo sentiu uma dor e a visão toldou-se como um fio gris ténue (incluindo a fractura, ligeira, da têmpora). Acordou muito tempo depois, já em terra, a latejar de dor, apesar da diminuição do inchaço da cabeça.

O jovem alega que ela o abordou para buscar «o papagaio», mas não percebeu o que os elementos do «luvas pretas» estavam ali a fazer, que se tratavam de jovens armados. De seguida, o homem de 27 anos, Hugo Manoel da Costa, foi encontrado morto. Um outro homem, de 20 anos, revelou que o homem que estava a acompanhar as duas meninas deu-lhe um cartão.

A mãe do bebé, Maria da Glória, explicou que não queria continuar a ser interrogada e chamou um auxiliar, psicólogo, para evitar ficar «traumatizada».

Conheça o trabalho do médico legista Paulinho Fonseca, responsável pelo porto de Haulofe, onde as vítimas foram autopsiadas.

 

2.

Acidentes

 

Os carros chocaram a alta velocidade.

As vítimas acabaram por abandonar os veículos e o condutor.

Um atropelamento resultante do embate de um automóvel com destino a Lisboa e uma carrinha que se deslocava no sentido contrário, no IC1, junto a Alberic, em Montemor-o-Velho, provocou, esta segunda-feira de manhã, dois feridos. O condutor ficou encarcerado. Os dois feridos, um homem de 66 anos e uma mulher de 37, acabaram por ser levados, por helicóptero, para o hospital de Portimão, no Algarve, onde estão agora internados.

O acidente ocorreu pelas 03h00, junto ao quilómetro 171.3 da Via do Porto e, segundo os bombeiros de Portimão, os carros, de quatro e sete lugares, embateram a alta velocidade.

As duas vítimas, que foram recuperadas, são descritas, por testemunhas, como pessoas comuns que, com o impacto, saltaram por cima de outra vítima, ficando estacionadas à frente da passadeira.

A outra vítima desapareceu.

O condutor do automóvel, entretanto, também desapareceu.

Nenhuma era uma pessoa comum, antes pelo contrário.

A vila de Alberic é totalmente imaginária e os seus moradores vegetam entre o sonho e a phantasia e, por vezes, vêem-se envolvidos em acidentes de viação.

 

3.

Párias

 

A canção ouvia-se, na penumbra, por sobre o casario da cidade adormecida. Ele alega a necessidade dos pobres de viajarem de um lado para o outro pois o alojamento na urbe, com as rendas altíssimas e o frio de entorpecer, não é possível.

O hotel, sem verde ou comodidade, é, de regra, assustador. «Vou para a cabine?», pergunta-me o pai das duas irmãs.

Um elevador que deu voltas no coração do homem da aldeia, passando por todas as janelas, descerá à porta que está aberta no rés do chão e, à beira da água, descarregar-se-á.

Tinha de seu dois copos de vidro no dia da queda, no entanto, ficou. Por volta da uma da tarde foi-se embora, sem escolher nem comprar pratos na galeria onde ocupa uma mesma choça, nem comprar água, porque a há em abastança: chove a rodos.

— O que quer?

— Que fique – contesta, num momento em que a voz lhe falha. Já  não podia queixar-se, todavia, nem penar, nem gritar, nem refugiar-se mais para o interior, o que não sucedeu. Vem, já traz a trégua no saco, é que se sente mais tranquilo, e tirou as medidas, que há-de dar. Qualquer coisa se há-de arranjar.

O sono da família que vive numa casa tão em ruína que, por entre o tecto, se vê o céu. Todos aguardam os meios de ajuda da sociedade. O pai da criança anda com uma mão ao peito e a mulher conta que ele ou vai do hospital para a casa de banho ou faz o percurso inverso.

– Ouvi um ruído raro. Nem sequer apanhei vozes. «Comigo é algo sério» – diz em voz alta.

O grande desprezo do pai. É doido varrido.

 

4.

Romina

 

Na desolação após a derrota procurei um rasto do antigo esplendor que houvera existido naquela casa de meu pai e de todos os outros que, com o respeito devido, sempre o serviram sem nunca gostarem dele. Uma amiga da família de nome Romina, que tinha, dizia, uma ou as duas pernas douradas e que trabalhava como lavradora de minúsculas esculturas em pontas de lápis e de latas e na confecção de bombons de açúcar com a forma de corações, voltou. Fiquei muito tranquilo quando veio Romina falar comigo, por telefone, quando a casa estava imersa no luto em sinal do falecimento. Era o dia de Natal e ela sentiu-se mal ao ver que eu estava com medo de abrir as portas nesse último dia de luto. Ela disse-me que iria visitar cada uma das centenas de pessoas que seguiam o demorado velório, em casa. Ela assinalava que o Natal não era o festival que é agora, não era o Domingo de Cristo ou de Sanja. Cada dia o passava a ver «uma casa grande, com pessoas queridas, com amigos, que estavam bem». No fundo, Romina veio dos quatro cantos do mundo perguntar-me o que o meu pai queria e do que me recordava. Mesmo quando ele já era morto e não podia sequer aproximar-se da casa, perguntou-me todos os dias se podia salvar alguma das suas pernas douradas, pois era o que lhe recordava mais os seus homens, e era pelo meu pai que tinha maior carinho. Era pela memória dele. Apesar dessa  razão, a intenção da Romina foi ser muito boa para mim e achava, por isso, muito importante preservar essas memórias.

Tendo perdido as suas pernas douradas pelo final da sua vida, num dos dias de Verão de 2013, caiu. Foi no dia 17 de Janeiro de 2014 que Romina faleceu.

 

5.

Lágrimas No Ombro

 

Como cuidar dos meus comunistas:

Os Aliados, compreenderão que os meus comunistas são os que não queremos amar. Aqui, conheci um deles.

Crítica de ‘É uma Maravilhosa Cruzada’, na fotografia.

Quando se diz que estão a dizer que os medos partidários não estão a ser colocados. Perigo.

Quando se diz que os jornalistas partidários não têm razão nem ficaram bem com a actuação do Executivo. Perigo.

Quando se diz que se têm juntado pela ilusão de que os partidários tradicionais não fazem política. Perigo.

Quando se diz que os comunistas saem do poder para encetar aventuras pessoais, questões que podem ser detectadas no ar. Perigo.

Quando se diz que os dois Estados dependentes de Israel sejam os mesmos que os dois Estados dependentes da Europa. Perigo.

Quando se diz que é uma pequena cruzada aliada com os comunistas compreenderão que os meus comunistas são os que não querem amar.

 

6.

Adriano

 

Da praia deserta via-se a ilha distante do outro lado do mar, com os animais e a figura mais famosa do planeta, Adriano, na plenitude da sua Ópera do Sal. Cidadania militar? As duas divisões em que é possível dizer-se que deteve na sua órbita: o povo e os soldados? O amor de uns com os outros? Entre as terras africanas e estrangeiras que lhe pertenceram e o céu onde agora viaja?

Por último, e com óbvio empenho no desenvolvimento, espalhando pelo mundo o amor, quando levou para casa o candidato. Mesmo com a vontade de reinventar o seu passado, a Grécia foi sempre a sua «pensão natural».


 

João Pereira de Matos