Sebastianismo

 

 

 

 

 

 

NUNO GONÇALVES RODRIGUES


Procura-se nestas vastas linhas esclarecer as origens deste mito que nos dias de hoje ainda se faz sentir de forma muito vincada no nosso país.

Para tal é preciso situar-mo-nos dentro de um contexto histórico muito particular e que nos remete para a época de D. Sebastião e para a sua sucessão, o que nos conduzirá à perda da independência e ao nascimento do sebastianismo.

Diversos mitos foram surgindo ao longo da História normalmente em períodos de perda de identidade e/ou independência e em consequência do saudosismo popular. Este é claramente o caso do Sebastianismo que surge com o desaparecimento de D. Sebastião (1554-1578) que era filho de D. João Manuel (1537-1554) e da espanhola D. Joana de Áustria (1535-1573). Era neto paterno de D. João III, “o Piedoso” (1502-1557) e materno de Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico e I de Espanha (1500-1558) e de D. Isabel de Portugal (1503-1539), uma das filhas do rei D. Manuel I (1495-1521).

Desde muito jovem foi uma pessoa doente e na corte suspeitaram que seria incapaz de gerar descendência. Foi um filho muito esperado pois a coroa corria, uma vez mais, o risco de ser usurpada por um espanhol e graças a isso recebeu o cognome de o Desejado, que curiosamente viria a manter após a sua morte, dado que, como se sabe, muitos esperaram o seu regresso da batalha.

Sua mãe abandonou a corte pouco tempo depois da morte do príncipe D. João (devido ao acordo nupcial) e nunca mais regressou a Portugal, embora continuasse a defender os interesses de seu filho na corte espanhola.

  1. Sebastião teve como aio, desde os cinco anos, D. Aleixo de Meneses (? – 1569) que era um veterano nas campanhas africanas e indianas. Como mestre teve o padre Luís Gonçalves da Câmara (1519-1575), que tinha sido o confidente do Santo Inácio de Loyola (1491-1556), o fundador da Companhia de Jesus. Como curiosidade, mas também conhecimento, referira-se que o seu professor de matemática foi Pedro Nunes (1502-1578).

Foi coroado o 16º rei a 20 de Janeiro de 1568 e o seu reinado revelou-se de grande acerto e eficácia, embora enfrentasse a nível internacional uma conjuntura bastante desfavorável com problemas em Marrocos e na Índia. Em 1574 vai para Marrocos onde permaneceu durante cerca de um mês para se inteirar da realidade norte africana.

As razões para levar a cabo a expedição a Alcácer Quibir em Marrocos seriam o apoio da “opinião pública” portuguesa, a diminuição das reservas de carne e cereais, a insegurança nas costas portuguesas – principalmente devido aos ataques dos piratas berberes às costas algarvias – a aliança com o herdeiro do trono marroquino e travar a iminente invasão turca do norte de África.

Começou então a planear a campanha, tendo inclusive a bênção do Papa Gregório XIII (1502-1585), que lhe concedeu a Bula da Cruzada -que o consagrava como cruzado- e ajuda financeira. Mas apesar disto, a oposição interna a este plano era grande mas o ano de 1577 seria marcado pela passagem de um cometa, visível a olho nu, o qual seria conotado como a antecipação de todas as desgraças e que coincidiria com o ano da preparação da expedição a Alcácer Quibir. D. Sebastião, viu nele um bom auspício e  manteve o seu propósito baseando-se num trocadilho, um cometa significa que se “acometa”.

Contra essa previsão manifestar-se-ia o médico – mas também astrónomo, geómetra e filósofo –  Francisco Sanches (1550 ou 1551-1623), que escreveria o poema Carmen de cometa, embora admitisse que a expedição pudesse comportar algum risco.

O rei português perde a vida na batalha de Alcácer Quibir em 1578 e sem herdeiros, muito por culpa de seu tio, Filipe II de Espanha (1527-1598) que não via com bons olhos um casamento do sobrinho fora da esfera ibérica, mergulha o nosso país para o seu momento mais negro, porque para além de se ter de pagar avultadas somas para resgates – o que ajudou a contribuir para o mau momento a nível financeiro – grande parte da nobreza portuguesa perece em Marrocos e como um mal nunca vem só, Portugal estava prestes a perder a sua independência.

Na celebração litúrgica em memória de D. Sebastião realizada nos Jerónimos a 19 de Setembro de 1578, o padre Luis Álvares de Proença, proferiu as seguintes palavras:

Pois, quem vos matou meu formoso? Matou-vos o bispo, matou-vos o clérigo, matou-vos a freira, matou-vos o grande, matou-vos o privado, matou-vos o baixo, matou-vos o povo, matei-vos eu, matamos-vos todos, quantos somos. in paxprofundis.org

Depois da morte de D. Sebastião sobe ao trono o Cardeal D. Henrique (1512-1580), como Henrique I, “o Casto” que entre outras funções, tinha sido Inquisidor – Geral de Portugal por nomeação de D. João III em 1539 e durante a menoridade de D. Sebastião foi regente do reino entre 1562 a 1568 – período em que se opôs às pretensões da avó materna e anterior regente do jovem rei, D. Catarina de Áustria (1507-1578) que era a favor da governação espanhola em Portugal – e tornou-se o principal orientador do jovem rei, mas a política africana fá-los seguir caminhos distintos e volta a Évora, cidade onde foi Arcebispo. Mesmo afastado da lide governativa há bastante tempo a sua oposição à política africana de Portugal é tal que, recusa em 1578, em dar o seu consentimento à expedição a Marrocos.

  1. Henrique I, filho de D. Manuel I, mal subiu ao trono convocou as cortes para Almeirim a fim de acertarem o seu casamento mas o Papa que era de origem espanhola não concedeu ao novo rei a dispensa de votos, desvanecendo-se assim a possibilidade de gerar descendência.

A influência espanhola era cada vez maior em Portugal, com os pretendentes ao trono a demonstrarem as suas diferenças, que estavam cada vez mais vincadas e além disso o reino passava por um período de ruína financeira, o que, juntando o facto de o Cardeal não nomear um herdeiro mas sim escolhendo cinco governadores para o substituírem após a sua morte veio apressar a perda da independência.

Ainda tivemos durante num curtíssimo espaço de tempo outro rei, o prior do Crato, D. António I, “o Determinado” (1531-1595) que foi aclamado rei pelo povo em Santarém a 19 de Junho de 1580 mas seria derrotado – sem o apoio solicitado a ingleses e franceses – a 25 de Agosto pelo duque de Alba na batalha de Alcântara tendo que se refugiar em França e Filipe II de Espanha teve assim o caminho aberto para o nosso trono, dado ser um dos pretendentes, visto ser filho de D. Isabel de Portugal e neto de D. Manuel I, iniciando a Dinastia Filipina.

É neste contexto histórico que nasce uma versão do Messianismo, de influência Judaica e que no caso português deu pelo nome de Sebastianismo.

Do Messianismo podemos dizer que é algo que incute uma fé cega num líder religioso ou político e que é capaz de transformar a vida das pessoas em algo de melhor. Ora, os “sebastianistas” tinham essa fé exacerbada mas a fé e a esperança que sentiam estava ligada a uma visão religiosa de D. Sebastião.

Aliás, deste assunto, percebemos que “ (…) o tipo de messianismo a que pertence o sebastianismo português, é próprio de uma sociedade ainda não secularizada, ou seja, a uma sociedade “sacral”. Nela, todas as áreas da vida individual e coletiva parecem direta e constantemente permeáveis à atuação do mundo sobrenatural. Tal messianismo é inconcebível sem uma fé religiosa, professada pela grande maioria da sociedade.”

    (…) A tese celtista, formulada por Oliveira Martins e depois sustentada por diversos historiadores da cultura portuguesa, parece relacionar-se com a figura do rei galês Artur, o protótipo do mítico D. Sebastião. Com efeito, é muito plausível que a índole sonhadora e fantasista do substrato celta tenha criado, entre os Portugueses, uma certa predisposição para embeber-se nas esperanças messianicas. Parece que, assim como o carácter “sacral” da sociedade portuguesa possibilitou o grande êxito do sebastianismo, assim o substrato celta o favoreceu.” in  O Sebastianismo – História Sumária, págs. 10, 11 e 23.

Quer isto dizer que, na sociedade portuguesa dessa época, nasceu como dissemos uma versão do messianismo em que as pessoas tinham a crença que toda a opressão, sofrimento, miséria, enfim a crise em geral, seria vencida com o aparecimento de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro montado no seu cavalo branco e que libertaria Portugal dos castelhanos e da sua repressão e lhes restituiria a sua antiga grandeza. Como tal, defendem assim que D. Sebastião não poderia ter morrido.

Temos de ter em atenção que o messianismo judaico se encontrava muito difundido em Portugal devido à presença dos cristãos-novos. Antes da tragédia de Alcácer Quibir mas já em pleno século XVI, Gonçalo Anes (1500-1556) que era um sapateiro de Trancoso e que viria a ficar conhecido como Bandarra, compôs diversos poemas entre 1510 a 1540 mas a sua obra mais importante são as trovas compostas entre 1530 e 1540, trovas essas que falavam dum Encoberto e eram imbuídas dum profetismo judaico a dar o alento a um povo deixado à sua própria mercê e que seriam largamente difundidas durante a ocupação espanhola.

Foi em Trancoso que compôs “Trovas graciosas…em louvor do Senhor Deus e d’ Él-Rei” e que começaram a circular devido ao interesse que lhes dedicaram os cristãos-novos. Estas trovas tinham como característica uma tendência iluminista para interpretar os acontecimentos desastrosos do seu tempo e que foram inspiradas na Bíblia para contrariar a corrupção da época e fazer predições, entre as quais, da conquista de Marrocos, da derrota dos Turcos e a do Quinto Império.

Como gozava de muita popularidade entre os Judeus e os judaizantes, Bandarra foi perseguido pelo Tribunal do Santo Ofício mas seria ilibado em 1541. Quando foi interrogado afirmou que tinha lido a Bíblia e que determinadas passagens o tinham marcado, nomeadamente passagens dos livros de Daniel, Isaías, Jeremias, nos quais é profetizada a vinda de um rei que iria trazer, finalmente, a paz e a justiça a todos os povos da terra:

«Augurai, gentes vindouras,
Que o Rei que daqui há-de-ir,
Vos há-de tornar a vir
Passadas trinta tesouras.
Dará fruto em tudo santo,
Ninguém ousará negá-lo;
O choro será regalo
E será gostoso o pranto.»

Trovas de Bandarra (XI e XXXIV)

As suas trovas tornaram-se assim aplicáveis a qualquer crise mais grave a nível político-social ou religioso, sendo uma das principais fontes de alimentação para o surgimento e ressurgimento do sebastianismo.

Imbuídos no sebastianismo e em plena dinastia Filipina surgem diversos impostores que procuram fazer-se passar por D. Sebastião. O primeiro surgiria em Penamacor quatro anos depois da coroação de Filipe II (I de Portugal) e que começou a contar diversos feitos militares do tempo de Alcácer Quibir. O segundo é o rei da Ericeira, de seu nome Mateus Álvares, e tal como no primeiro caso era um eremita que constitui um grande grupo de seguidores. Viria a ser condenado à morte em 1585. Gabriel Espinosa era um espanhol que combatera em Portugal e era pasteleiro na cidade de Madrigal. Frei Miguel da Cruz era o confessor de D. Ana, que foi a mulher com quem Gabriel casou dado esta estar convencida que Gabriel era o D. Sebastião. Em 1595 foram todos presos.

Marco Túlio Catizone, um veneziano, afirmava também ser D. Sebastião, declarando ter feito um voto de silêncio e em 1603 acabou por ser enforcado.

  1. João de Castro, neto do Vice-Rei da Índia e apóstolo do sebastianismo viria a publicar estes poemas em 1603 com dedicação a D. João de Portugal, Bispo da Guarda, o que não impediu a perseguição da Inquisição e que o obrigou a deixar de ser consultado como teólogo, o que acontecia com regularidade.

O sebastianismo vai alastrando a todo o país durante a dinastia Filipina, acabando por mobilizar a nobreza que se lança no movimento da Restauração da Independência. Consegue também apoiar-se em pessoas de importante craveira intelectual como é o caso do padre António Vieira (1608-1697) que inspirado nas trovas de Bandarra irá defender a ideia do Quinto Império em que depois dos impérios Assírio, Persa, Grego e Romano, tinha chegado a vez de Portugal.

Fernando Pessoa (1888-1935) irá retomar essa temática e considera que os quatro impérios teriam sido o Grego, o Romano, o Cristianismo e o Europeu, que teria durado enquanto os países europeus exerceram o seu domínio sobre os outros povos, sendo o Quinto Império, o Português.

Em 1640 quando D. João IV, “o Restaurador” (1604-1656) sobe ao trono, é conotado com a figura do Encoberto, uma personagem criada por Bandarra, embora haja autores que reconhecem que o dicto já havia nascido muito antes das trovas de Bandarra, nomeadamente em Espanha como Encobierto.

O Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782) ordenou a apreensão e queima das obras de Bandarra.

O sebastianismo também se fez sentir no Brasil em que a fé Católica se tornou mais exigente e intolerável, ficando célebres os acontecimentos como o Massacre de Bonito em 1836, com o caso da Pedra Bonita, em 1893 com o movimento fanático-religioso de maior importância e a de 5 de Outubro de 1897 em que foram mortos os últimos defensores do Arraial.

O sebastianismo voltará a dar sinais de vida reagindo à Revolução Francesa, ao Império

Napoleónico e às invasões francesas quando estava de novo em causa a soberania do país mas depois de 1820 haviam poucos, pelo menos, nos meios cultos do país que ainda esperavam por D. Sebastião.

“ Mas com o sebastianismo não morreu o bandarrismo. Durante algum tempo, ainda havia messianistas que, metamorfoseando-se em conservadores ou ― mirabile dictu! ― em liberais, continuavam a debruçar-se sobre as trovas do Bandarra, nas quais liam a promessa das suas esperanças restauradoras ou, então, o triunfo da causa liberal. Foi o epílogo do sebastianismo autêntico e, simultaneamente, o início da secularização de um velho mito nacional.” in O Sebastianismo – História Sumária, pág. 141

Como referi, é em épocas de crise nacional que o sebastianismo tem ressurgido com maior ou menor dimensão ou até com outro nome e disso são exemplos os movimentos sebastianistas, o Miguelismo e o Sidonismo.

Nos princípios do século XIX o padre José Agostinho de Macedo (1761-1831) e que ficaria conhecido como Padre Lagosta, publicou uma obra contra o sebastianismo.

Almeida Garrett (1799-1854) na obra Frei Luís de Sousa aborda a questão do sebastianismo, em que o descreve como uma utopia. Outros autores se seguiriam, tais como, Guerra Junqueiro (1850-1923), Oliveira Martins (1845-1894), Teixeira de Pascoaes (1877-1952), Sampaio Bruno (1857-1915).

O historiador Alberto Sampaio (1841-1908) escreve uma dura crítica sobre o sebastianismo a que chama ‘Flor Piedosa’.

Na Mensagem, Fernando Pessoa escreveu acerca do “Presidente – Rei”, Sidónio Pais (1872-1918) a quem dedicou o livro publicado a 1 de Dezembro de 1934, data escolhida propositadamente para coincidir com um dia que apelasse a um sentimento de orgulho nacional, dado ser o dia  comemorativo da Restauração da Independência de 1640. O título escolhido inicialmente foi “Livro pequeno de poemas” e é uma obra apologética em que são valorizados os grandes feitos e vultos da História portuguesa, motivo pelo qual foi muito bem recebida pelo Estado Novo.

O título poderia também ter sido Portugal, mas no entanto, Fernando Pessoa acabaria por aceitar a sugestão de um amigo e intitula-la de Mens Age Em, que quer dizer a mente comanda o homem, uma expressão que Virgílio (70 a.C. – 19 a.C.) já usara em Eneida.

O Secretariado Nacional de Propaganda – que mais tarde viria a chamar-se Serviço Nacional de Informação – que havia sido criado por António Ferro (1895-1956) viria a atribuir-lhe um prémio pela ideologia sebastianista de que se encontrava impregnado.

O livro está dividido em 3 partes, todas elas com o título em latim, sendo a terceira parte chamada O Encoberto, que é a parte mais marcadamente simbolista e sebastianista.

Sobre as Trovas de Bandarra  :
«Augurai, gentes vindouras,
Que o rei, que de aqui há-de ir,
Vos há-de tornar a vir
Passadas trinta tesouras.»

Fernando Pessoa escreveu o seguinte: “Sabedores que a interpretação profética é sempre tripla, temos aqui três cousas, a que aplicar o triplo sentido: o «rei, que de aqui há-de ir», o «tornar a ir», e as «trinta tesouras».

O «rei, que de aqui há-de ir» é o senhor rei D. Sebastião, mas a «ida» dele tem três feições – foi a ideia da independência da nacionalidade, foi a ida do próprio homem, e foi a ida do povo português, ou do império português. Assim, o «tornar a vir» se conformará, por seu lado, com estas três interpretações. (…) «Tesouras» refere-se a um número, e, como deve ter interpretações, segundo a regra profética, e aqui as interpretações, como sempre do menor ao maior, são, forçosamente, do menor ao maior número, porque se trata de números, segue que os três números serão aqueles que possam ser representados por tesoiros. Além de que estas referências numéricas são sempre à numeração romana, acontece, ainda, que na numeração árabe não há número que se assemelhe a tesouras, isto é, que tenha dois elementos. Na numeração romana há três: o dois (II), que é como a tesoura ainda reunida, como tal, o cinco (V), que é a parte de cima da tesoura reunida, e o dez (X), que é a tesoura inteira aberta.

A indicação refere-se a «trinta tesouras», e vê-se que vai por «números redondos».

Diz «passadas trinta tesouras», isto é, não antes de teres passado trinta tesouras.

Como o número redondo seguinte será quarenta, temos que o tempo indicado é «entre trinta e quarenta tesouras».

No caso da primeira tesoura (II, dois), isto quer dizer entre 60 e 80 anos da ida do rei, e refere-se ao facto mais material, a perda da independência. Reaver-se-ia a independência, diz o profeta, entre 60 e 80 anos depois de ir aqui o rei. Com efeito, a independência foi reavida em 1640, 62 anos depois de 1578, que foi quando o rei «partiu». No caso da segunda tesoura (V, cinco), temos que o tempo é entre 150 e 200 anos depois de 1578. Isto quer dizer entre 1728 e 1788. Foi entre estes anos que apareceu o Marquês de Pombal, cujo nome, por sinal, era Sebastião. Há aqui um «regresso de força».

No caso da terceira tesoura (X, dez), o prazo indicado é entre 1878 e 1978. É entre estas duas datas que se dará a verdadeira «vinda» do rei «que de aqui» foi.

Outra interpretação diz que as datas devem ser marcadas para logo passadas as trinta tesouras, isto é, para a tesoira 31. Isto daria, respectivamente, as seguintes datas – 1640, 1733 e 1888.” in Portugal, Sebastianismo e Quinto Império.

António Machado Pires (1942-2022) considerou a existência de três fases no que diz respeito ao mito sebastianista:
Pré-sebastianismo: Trovas do Bandarra, que anunciam o Messias e são interpretadas, posteriormente à perda da independência em 1580, em relação a D. Sebastião.
Sebastianismo real: exaltação do rei adolescente (Dedicatória d’ Os Lusíadas), para quem se anuncia um destino glorioso.
Sebastianismo profético: após a perda da independência, as Trovas do Bandarra são interpretadas em relação a D. Sebastião, cujo regresso se profetiza. O Padre António Vieira, por exemplo, identifica o «Encoberto» com D. João IV, enquanto outros o fazem em relação a governos sucessivos.

Em Portugal, numa primeira fase, a figura do Messias / Encoberto foi associado a Sebastião (1554-1578), posteriormente a D. João IV (1604-1656), D. João V (1689-1750), Sidónio Pais (1872-1918) e até António de Oliveira Salazar (1889-1970).

Segundo o historiador Fernand Braudel (1902-1985), o Sebastianismo foi uma das consequências portuguesas desse “desespero de viver” que este havia detetado nas sociedades mediterrâneas no final do século XVI.

António Carvalho quando diz que “o Sebastianismo é uma espécie de doença nacional, uma “mania mansa”, uma “aberrante maluquice”.

Para o historiador brasileiro Voltaire Schilling(1944-2022) a “doença do Sebastianismo” – curiosa crença, que se enraizaria por muito tempo na mente e na alma lusa, de que D. Sebastião, de fato, não morrera nas areias africanas. Ao contrário, estava vivo, esperando apenas o momento de reaparecer e salvar Portugal das mãos dos castelhanos. Ele era ‘O Desejado’ que a qualquer momento deixaria a situação de estar ‘Encoberto’ e, saindo do seu esconderijo, empunharia a espada da independência dos portugueses. Coroado Felipe II Rei de Portugal, o que restou ao patriotismo português senão a esperança de que voltasse o Desejado para restaurar a soberania nacional? E assim, Felipe II da Espanha tornou-se Felipe I de Portugal. 

Depois destas considerações podemos concluir que o sebastianismo é tido por muitos estudiosos como uma característica da alma portuguesa, ou seja, é algo que está intrinsecamente ligado aos portugueses. Podemos ainda relacionar o sebastianismo com o pessimismo dos nossos compatriotas, dado que, estamos sempre à espera dum salvador da pátria, alguém que nos irá tirar da crise em que vivemos e tantas crises os portugueses já passaram ao longo da sua História. Aparentemente ninguém está à altura para governar em Portugal.

 

BIBLIOGRAFIA

Basselar, José van Den, O Sebastianismo – História Sumária, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987

Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal, Tomo III, Círculo de Leitores, 1984

Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal, Tomo XVI, Círculo de Leitores, 1987

Serrão, Joel, Pequeno Dicionário de História de Portugal, Figueirinhas, 2004

 

WEBGRAFIA:

Casa Real Portuguesa

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Nuno Gonçalves Rodrigues (2023)