JOÃO PEREIRA DE MATOS
1.
Um Retrato
Paulinho Constantin saiu daquela pensão sórdida em 2017, rumo a um futuro incerto.
Paulinho Constantin, de 32 anos, está a preparar-se para ficar sem acesso ao trabalho até ao fim do mês, depois de ter sido despedido do Ensino Profissional.
Teve uma recaída e voltou a conviver com a depressão, acrescentou o pai.
«Há uma abertura à vergonha, uma incerteza, uma perda e uma alma roída. À minha frente vi o meu filho com a cara quase arrancada à pancada».
«O meu pai põe-se a ganhar lá tudo, mas não me dá quase nada».
A mãe diz que o recém-desempregado vai ficar sem um emprego para sobreviver. A maior preocupação é com a renda, na sequência de uma reclamação à instituição onde fez estudos de formação.
«O que se vai fazer?»
O mesmo que outros jovens que estão sem trabalho, em média, por 100 dias.
2.
«Crónica dos Inimigos»
Havia um portão que estava sempre fechado, mais uma vez, a caminho do serviço e da nossa parcela da ilha de Pequita João, onde não existiam passagens de mercadorias. Disse-me que passeava no local e eu recebi a notícia muito tempo depois. Se eu soubesse, tinha ido ao encontro dela do outro lado do portão, quem sabe o que teria acontecido?
A partir daí e para mim foi, na minha mente, o momento de criar o programa da «Crónica dos Inimigos» e, em pouco tempo, o projecto ganhou forma e corpo. Não foi difícil.
Hoje, há dois anos, o primeiro programa tratou dos pequenos facínoras que, nas grandes cidades, se dedicam a infernizar a vida dos outros. Vizinhos, chefes, outros automobilistas. É surpreendente como as pessoas sofrem com esses tiranetes e o programa goza de extraordinária popularidade. Assim, divirto-me com esta ideia que ponho no ar com o meu pequeno transmissor hertziano a partir desta pacata e remota ilha.
3.
Um Pesadelo
Sob um céu opressivo corria, corria com um medo difuso desse céu escarlate, segurando-me em algumas esquinas que me ajudaram ou me dificultaram a fuga, a fuga ao inimigo sem rosto e sem tez, sem nome ou identidade, apenas uma presença na área de concentração aramada e nem se podia pedir às autoridades para verificarem a sua identidade pois todos aproveitavam quaisquer recursos possíveis, principalmente aqueles da mesma família que se protegiam ou aqueles que vieram da mesma terra. Eu, temia, tinha uma história diferente.
Sinto-me triste, frustrado, só conseguirei chegar à paz quando a verdade estiver à vista.
Aconteceu nesse dia, numa estação em que o tempo, atravessando tudo, já era, há muito, passado. Então, as coisas mudaram, os «campos» nasceram e fomos neles encerrados como coelhos, escapei e agora sou perseguido.
Só pela culpa que temos, como se fôramos recheio de escravos. Agora temos de descortinar-lhes toda a malícia e perceber. Estamos na civilização da conquista do trono e, muito provavelmente, tanta sofisticação, que não é, porém, tão grande como a anterior, pode servir muito mais como regresso a Deus, à Filosofia de Deus que tem de ser reconhecida ou, pelo menos, a uma salvação qualquer, ainda que secular.
Como tal, este tempo é perigoso pois a perseguição espalhou-se por toda a humanidade. O tecido da comunidade quebrou-se, tanto no trânsito entre as raízes individuais como entre estas e o exterior, o que se desenvolveu também no relacionamento directo entre as famílias. Não é o meu caso, pois terei força e poder com a minha família ao meu lado — e querendo o céu ou o Diabo, irei alcançá-la e confiar na sua protecção. Longe vão os tempos de uma sociedade civil sem clãs e impérios, sem a Guarda Pretoriana e sem estes difusos espectros, a mando de ignotos poderes, que agora me perseguem.
4.
Da Lonjura
Não se zanguem, senhores, que a noite está amena, cálida mesmo, e a fúria — ainda que justa — de um Fauno garante vantagem.
Não se derrubem, senhores, nem podemos derrubar quem vem para o pé de nós a esta hora.
Se o exaltado ponto de vista, desafogado cariz-aço de tão férrea intenção, surpreendeu os transeuntes, o abandono deveu-se, em exclusivo, ao excesso de metanfetaminas.
E se a ferida tocou fundo todos quantos vieram da nossa querida Península, já há muito que se ameaçava isto, esta foi uma questão de igualdade.
É preciso calma.
Peço isso a todos!
E como vêm muitos estrangeiros aqui parar, até de lugares tão distantes que pertencem ao mito, foi dura a habituação e cheio o respaldo de vossa paciência.
Por isso dou graças.
5.
O Conúbio
O jantar acabou, abruptamente, quando todos aqueles facínoras lhes invadiram a casa. Puseram-nos em frente à viatura, lançando-lhes um «mãos no chão» e «matamo-vos se chamarem a polícia».
Mais tarde, o casal revelou que o objetivo era obrigarem a mulher a casar-se com o «Professor» no ano passado e que depois de ele se divorciar teriam reunido, numa festa de casamento «de arranjo», um imenso cabaz de alimentos. A mulher disse que não recebia ajuda social e que nunca tinha tido qualquer contacto com a família do «Professor».
O caso revela, ainda, que o «Professor» dirigia uma família criminosa de relevo internacional.
6.
A Revolução
Ver-nos-emos brevemente e se obrará sobre a forma como os servos e os seus meios sociais estão preparados para lidar com o seu crescimento, e poderão ousar e criar.
A partir daí, participarão na realização dessa prática, que contará com a presença de treinadores e patrocinadores que vão apoiar o desenvolvimento de serviços de inserção em algoritmos de automação com ganhos previstos e para os quais serão necessários profissionais.
A reconfiguração do funcionalismo em Março na Ferrolterra (dia 25 de Março) está prevista para reforçar as forças sociais e apoiar a oportunidade de qualificação nas artes marciais do Cero Universo.
A forma como todos comunicam entre si, a transparência, a regulação e a parceria vão ser alavancadas, assim como a gestão dos danos sociais e a perspectiva de ganhos, de maneira que eles sejam retirados do âmbito dos serviços públicos que terão ainda um papel fundamentado na transformação social.
Este último componente tem a ver com a questão de como terão oportunidade de crescer e adquirir competências, pensando no futuro com o objectivo de fazer frente à crises sociais e melhorar a sua qualidade de vida e das populações que sobreviverem.
7.
Exterminador
A angústia marcava-lhe o ritmo dos dias de férias e só a realização de diversas actividades, como levantamentos de pequenas igrejas, o ocupou em alguns dos últimos anos. O seu espaço de trabalho é situado num quinto andar da rua de Santa Maria, em Lisboa.
Outros moradores da rua tiveram em conta que foi um dia de passagem. «Senti um trem de alma. Agora não espero a vida pessoal seguir este ritmo», disse um dos vizinhos.
Esta opção que o oprimia aquando da última visita da mãe — alvo de uma decisão da família — também já foi tomada, uma vez que vai deixar o trabalho profissional ainda esta semana.
Esta igreja não foi inaugurada há vinte anos, mas há muito mais, dado que era conservada num estado imaculado, dir-se-ia.
A inscrição para as visitas é disponibilizada mediante um valor de trinta euros. Para informações sobre a actividade está disponível o número de contacto:
Telefone: 921 368 861
das 18:00 às 20:00 horas
e a casa de visita é no 10º andar da rua Santa Maria.
As visitas podem ser feitas com toda a família ou com duas pessoas.
No início da rua, a pé, pode encontrar-se, num relicário público, o ostensório de altar de D. Diogo de Sousa, que até há quatro dias teve características religiosas, enquanto o jardim da Palma tem as gravuras de sempre.
«Foram muito bem-sucedidos», disse uma das vizinhas à Televisão.
Perto do gabinete municipal, no eixo onde a rua passa, fica o antigo bairro de Brusque, tão atormentado por pragas diversas que teve de ser evacuado. Segundo a população, o foco do problema está numa loja, já antiga no bairro, onde pode ler-se numa grande placa pintada à mão:
«Exterminador».
Quando o pedido de evacuação foi feito o Serviço Municipal de Saúde alertou para o facto de a situação não ter ainda sido notificada à Direção Geral dos Serviços de Saúde e à Comissão de Proteção de Dados e Saúde Publica, bem como ao Serviço Municipal de Proteção Civil.
João Pereira de Matos