Satori

JONAS PULIDO VALENTE
Kami e Satori


Kami

Uma roda centrífuga,

De troca equivalente.

A subida gasta a energia da descida,

E repete. O oposto da vida terrena.

Kami, vi-o no Céu.

Não me disse qual era a religião certa.

Apenas salientou,

Que menos pode valer mais,

Entre outros lugares comuns, cimentados por humanos.

Este foi o grande esforço de uma Alexandria,

Na foz de outro grande rio.

Homens, animais e árvores,

No crepúsculo, antes da noite eterna,

Algum Kami sussurrou, a quem o quisesse ouvir,

Que o seu Xinto tinha espaço para outros templos, de outras terras.

Templos que cobrissem o máximo das subtilezas termodinâmicas,

Perceptíveis aos entes. Talvez um dia se acalmem os crentes.

 

Kamigami, antes de se despedirem acenderam uma vela,

Avisando, com kanji, kana e romaji,

Que os milagres podem não ser óbvios.


Satori 悟り

 Nota Prévia: Um Satori é um momento de iluminação segundo o budismo Zen Japonês. O Zen também defende a possibilidade de um Nirvana instantâneo, ou Zen Instantâneo. Fiz o meu melhor por tentar detalhar este momento inesperado no qual alguém se torna um Buda, no espírito da escola Zen. Deixei tanto o final da suposta experiência, como o da história em branco, pois ainda não me iluminei.

Um homem tem o seu sofá. Adora o sofá, quer trancar toda a gente no seu sofá. Chega religiosamente às 8:45 da noite ao seu sofá. Deixa cair o rabo enquanto está entretido com o comando.

Um dia, mecanicamente, às 8:45, deixa-se cair e o sofá não está lá. E não há matéria sólida entre o seu rabo e o chão. E o sofá era alto e a queda era longa. O homem faz a primeira metade da descida confiante que o seu rabo irá ressaltar em almofadas encomendadas, mas continua a cair.

A primeira reação ao passar os limites do sofá é de espanto. Depois o cérebro reptiliano entra em cena, medo, contorção das nádegas.

À medida que se aproxima do chão, a sua atitude muda quimicamente, como que uma última defesa, para a jocosidade.

‘Como não poderia saber que o sofá não estava lá? Será que a minha mulher o mudou de sítio?’

Quase ao tocar no chão o homem resigna-se perante as leis da física e do inevitável sofrimento do mundo no futuro, canalizado por experiência de decepção própria. A cerveja voa da sua mão, já não tinha fome.

Quando bate no chão o homem quase chegou ao nirvana instantâneo, por um quadro de vida pintado em todas as suas variantes Zen, o baque foi o gongo. Será que a batida o faria?


JONAS PULIDO VALENTE