São Martinho do Porto

A.M. GALOPIM DE CARVALHO


Começou a temporada das férias na praia, para quem pode, claro. Falemos hoje da pequena e interessante baía de São Martinho do Porto.

Situada cerca de 20 km a WSW de Alcobaça, a actual baía de São Martinho do Porto é o que resta de uma reentrância do mar (a antiga “Lagoa de Alfeizerão”) bem mais alargada, navegável desde a barra (uma abertura com cerca de 250 m de largura), entre os actuais Morros de Santana, a sul, e do Farol, a norte, até Tornada, tendo existido uma instalação portuária em Alfeizerão, desde o tempo da ocupação romana até ao século XVI.

Temos aqui um curioso acidente geográfico do nosso litoral, que, em virtude da sua forma, grosso modo, semicircular (com cerca de 950 metros de diâmetro), lhe mereceu a designação popular de “concha”. Forma enigmática para quem não sabe, mas que se explica facilmente se soubermos o que se entende por difracção das ondas.

Comecemos por lembrar o que acontece quando, para dar de comer aos peixes de um lago de jardim, lançamos um pedaço de pão para a água, ali em repouso. Ao bater na superfície da água, toda a energia da queda do pedaço de pão é transmitida ao líquido, energia que nele se propaga, deixando ver, à superfície do lago, a propagação de ondas circulares concêntricas que se alastram a toda a superfície.

Lembremos, ainda, que a difracção das ondas é um fenómeno físico que reza: quando uma onda, proveniente de um dado meio, atravessa um orifício, gera, no meio que se segue a esse orifício, o espalhamento ou alargamento de ondas circulares. Uma ideia deste espalhamento pode ser dada pela ondulação na água do lago, atrás descrita.

Resultante do assoreamento da citada antiga “Lagoa de Alfeizerão”, a bela e curiosa forma actual desta baía resulta da difracção da ondulação (vaga) oceânica na dita barra, gerando uma outra que só não é perfeitamente circular porque esta abertura não é suficientemente estreita para funcionar como o dito “orifício” de difracção. Assim, no interior da baía, a ondulação (que aumenta de amplitude à medida que a profundidade diminui, até rebentar na linha da praia) e o areal são, por assim dizer, concêntricos, relativamente a um ponto imaginado a meio da dita barra.
É por isso que, no interior da “concha”, a rebentação da vaga é sempre simultânea em todo o perímetro da praia, com se pode ver na imagem.

Nota: o sedimento no interior da concha é uma areia muito fina, facilmente revolvida pela ondulação mais energética e, daí, a turbidez temporária da água.