Santos Populares. António, João, Pedro e as periferias

 

AIRES GAMEIRO


Talvez não baste tomar estes santos como folguedo. Convidam à seriedade e conversão a Cristo. O contato com periferias da fé exige discernimento. Tende-se a ler o Evangelho, as vidas dos santos e das tradições da Igreja em ziguezague. Ora para um lado ora para outro, segundo os temperamentos, as ideologias das tribos de turno e a propaganda de controlo dominante. Nem estão ausentes os cordelinhos de satanás. Na ação de Jesus e dos santos populares encontramos os fios do Espírito Santo do deserto e os dos demónios das periferias; somos pressionados ora para as periferias da vontade de Deus ora para as fraquezas, próprias e alheias, e a seguir o piscar de olhos do satanás da mentira.

João Baptista apresentou Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo a ser sacrificado; e logo o precedeu sacrificado pela defesa da fidelidade conjugal na periferia de Herodíade, “satanás” da filha (Mc 6, 14-29). João Baptista dirigiu-se à periferia do deserto e do Jordão, não como Cristo, para encontrar o Demónio. Ao contrário, vieram ter com ele os arrependidos do mal e perguntaram: e nós o que devemos fazer? De forma muito clara, João dizia que não repetissem o mal e fizessem ainda melhor o bem que faziam: os de duas túnicas e mantimentos de sobra, repartam com quem não têm; os da cobrança de impostos não exijam mais do que está legislado; os soldados não usem violência, não denunciem injustamente nem exijam mais que o vosso soldo (Lc 3,10-13). Aos periféricos mal-intencionados, João falou muito claro: Ele (Jesus) há de batizar-vos no Espírito e no fogo (…), recolherá o trigo (…) e queimará a palha; e anunciava o Evangelho (cf. Lc 3, 15-18).

Jesus Cristo dizia que a vontade do Pai o chamava a Jerusalém para dar a vida pelos pecadores e logo Pedro, no papel de Satanás e dizendo «Deus te livre», o impele a fugir dessa periferia de gente má. Pedro sabia que Jesus era o filho de Deus por o Pai lho revelar; e acreditou que Ele, Deus-homem, podia dar a sua carne como alimento de vida eterna, por isso, respondeu com fé às questões de Jesus: e vós quem dizeis que eu sou? Também vos quereis ir embora? Nalgumas periferias dizia-se que Jesus era este e aquele, pessoa importante, mas não acreditavam na sua divindade nem aceitavam que o pão que lhes prometia era o seu corpo, a sua carne, para a vida eterna e afastaram-se. Pedro confessou e acreditou porque «só Vós, tendes palavras de vida eterna». Contudo, o mesmo Pedro fazia ziguezagues de fraqueza e dúvida perante as periferias descrentes da casa do sumo sacerdote; e em vez de dar a vida por Ele negou três vezes que conhecia Jesus (Lc 22, 54-71). Sabia que Jesus morreu para salvar todos os pecadores que o aceitassem e se arrependessem, como ele mesmo foi perdoado e amou muito a Jesus; contudo, mais tarde, hesitava ir a casa de gente pagã das periferias como o centurião Cornélio já convertido (At 10); e resistia em aceitar na Igreja outros pagãos convertidos por Paulo à fé em Cristo. Com a força do alto, no dia do Pentecostes, foi claro com alguns vindos da periferia anti Cristã: “vós o (Jesus) matastes…” (cf At 2,23 e 37-38); e eles perguntaram: «que havemos de fazer, irmãos? Convertei-vos e peça cada um o batismo…para remissão dos seus pecados».

Santo António, em Coimbra, deixou-se cativar pelos mártires que davam a vida por Cristo nas periferias infiéis de Marrocos e tornou-se franciscano. Foi nomeado por S. Francisco professor dos seus frades, pregou o Evangelho aos descrentes e heréticos da Itália e da França. Nem lhe faltaram cátaros, fanáticos extremistas das periferias heréticas que não terão acreditado nas verdades da fé cristã sobre o matrimónio cristão nem sobre a presença real de Cristo na Eucaristia de tal modo que alguns políticos e pastores os atacaram com violência anti evangélica. Hoje, como ontem, num mundo de heresias e paganismo, o discernimento exige sabedoria da luz de Deus da oração para evitar os ziguezagues da mentira e violência; e exige pôr em prática, nas periferias, de gente reta e de lobos, a clareza de Jesus ao dizer: «Não deiteis aos cães o que é santo, nem lanceis pérolas a porcos…, entrai pela porta estreita…e pelo caminho apertado» (Mt 7,12-14). Com todos, «sede simples como as pombas e prudentes como as serpentes» (Mt 10,16).


Funchal, Santos Populares, Junho 2021

Aires Gameiro