Samuel F. Pimenta, poeta de princípios

 

Foto: M.Céu Costa

 

MARIA ESTELA GUEDES
Dir. Triplov


Samuel F. Pimenta é um jovem autor, já com diversas obras publicadas, em diversos géneros, sobretudo poesia e ficção. O seu mais recente e belo livro, Gérmen, reúne poesia anteriormente publicada, entretanto esgotados os livros, e alguns inéditos. Folheando Gérmen, nota-se a enorme variedade de temas, com largo privilégio atribuído de um lado a paleo-ciências, aquelas que tentam compreender o passado, quer humano, como a Arqueologia ou a Antropologia cultural, quer o passado da nossa produção mental – mítica, religiosa e literária -, como humanos, ou mais localmente como portugueses. Samuel interessa-se pelas origens, no caso, origens do povoamento na Península Ibérica, com os seus menires, dólmenes e outras manifestações físicas de assentamentos castrejos no território hoje nacional. Já o título, Gérmen, denuncia o que interessa ao poeta: o que germina, o que nasce, o que tem imagem simbólica na irrupção do ser a partir da semente.

Paralelamente, o poeta não só cultiva uma arte empenhada na alteração de estruturas sociais maléficas, como chega o corpo à luta, recusando bastidores e retaguardas, o que merece louvor pela coragem. Assim o vemos erguer os poemas contra o fascismo, como no poema “A um fascista” e  contra a moralidade carnívora dos que se abatem estupidamente sobre os diferentes do usual na orientação sexual, o que aliás é ato a que o neo-fascismo também nos vem habituando. Vejamos o poema a que referi o título:

A um fascista há que degolar-lhe a palavra.

E só depois convocar os arcanjos capazes

de lhe esmagar a cabeça.

Samuel é um pacifista, só precisamos de temer a poesia, não o poeta. O poeta dá a cara como um bravo por causas que a maioria das pessoas encara da maneira mais leviana, apesar de se tratar de questões essenciais, as do ser. A causa LGBT+ foi assimilada como opção e não como ser, causa inata. A despeito de tanto saber dos nossos dias, tanto ateísmo e liberdade sexual, a sexualidade é compreendida apenas na sua vertente procriadora, portanto limitada ao natural par macho e fêmea. Os bonobos, parentes próximos dos chimpanzés, são mais avançados nesse capítulo, usando a sexualidade como função lúdica e socializadora também. Tenho para mim que a palavra «opção», que correu tanto décadas passadas, criou um obstáculo ao conhecimento, não nos deixa ver um problema que não pertence à área do querer, sim à do ser, como de resto a Genética vem mostrando cada vez mais claramente, ao excluir, por exemplo, a existência única dos dois descritores de macho e fêmea como XY e XX. Há mais combinações e trio em vez de par de cromossomas.

Samuel F. Pimenta é um homem de princípios, como afirmo no título. Ele aprecia o que começa, o que aconteceu in illo tempore. É um poeta genesíaco e não apocalíptico, ao contrário da maior parte de nós, que tememos o fim, individual, das coisas e da própria Terra. Não está em questão saber quem acerta mais, pois ainda lidamos com hipóteses e presságios. Importa, sim, dar um pouco de esperança às pessoas, e a germinação é tão imagem da esperança que das grávidas dizemos que estão de esperanças. Deixo um poema que traduz bem a atitude guerreira de Samuel F. Pimenta, remetida para um filme que vem fazendo história, Matrix., cujo título não deixa de ser genesíaco igualmente, ao apelar para a função procriadora da mãe.

 

SAMUEL F. PIMENTA, Gérmen. Poética Edições, Lisboa, 2024

Samuel F. Pimenta, escritor, nasceu a 26 de fevereiro de 1990, em Alcanhões, Santarém. Começou a escrever com 10 anos e licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa.
Tem participado em diversas conferências e em encontros literários nacionais e internacionais, e colabora com publicações em Portugal, no Brasil, em Angola, em Moçambique e na Galiza. A sua obra está presente em diversas antologias, em Portugal e no estrangeiro. Alguns dos seus livros deram origem a peças de teatro e teses académicas. Neste momento, escreve para o jornal Público.

São vários os prémios que lhe têm sido atribuídos, como o Prémio Jovens Criadores 2012 (Portugal), a Comenda Luís Vaz de Camões 2014 (Brasil) e o Prémio Liberdade de Expressão 2014 (Brasil). Em 2015, foi um dos vencedores das Bolsas Jovens Criadores, do Centro Nacional de Cultura, para a realização de uma residência artística e a escrita do romance Iluminações de Uma Mulher Livre. Em 2016, com o livro Ágora, ganhou o IV Prémio Literário Glória de Sant’Anna, galardão anual destinado ao melhor livro de poesia dos países e regiões de língua portuguesa. Em 2019, com Ascensão da Água, ganhou o Prémio Literário Cidade de Almada.
Além da literatura, dedica-se à espiritualidade e à promoção dos direitos LGBTI+, dos direitos humanos e dos direitos da Terra.
Obras Publicadas: – “Iluminações de uma Mulher Livre”, Marcador, Lisboa, 2017 – “Ágora”, Livros de Ontem, Lisboa, 2015 – “Os números que venceram os nomes”, Marcador, Lisboa, 2015 – “Geo Metria”, Livros de Ontem, Lisboa, 2014 – “O relógio”, Livros de Ontem, Lisboa, 2013 – “O Escolhido”, Planeta Editora, Lisboa, 2009.

Mais, na página Wook: https://www.wook.pt/autor/samuel-pimenta/1176749