O MUSEU ABRIU-SE Num quadro de imensas dificuldades estruturais e conjunturais, o Museu Nacional de História Natural sobrevive, não porque a Universidade a que pertence lhe estende a mão, mas apenas porque os que aqui ficaram, os que ainda resistem, o continuam a manter vivo. Cheio de carências, mas vivo. O grande incêndio da Faculdade de Ciências, em 1978 - vai fazer vinte anos -, tirou-lhe quase tudo. As valiosas e vastas colecções acumuladas ao longo de século e meio de existência, as belíssimas bibliotecas, os equipamentos. Salvou-se o Jardim Botânico e o sector que lhe corresponde. Na sequência, foram muitos os que abalavam, êxodo que se concluiu nos anos oitenta, com a autonomia dos departamentos da Faculdade de Ciências. A uma primeira fase de separação institucional entre a Faculdade, agora departamentalizada, e os na altura considerados estabelecimentos anexos - Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, Museu e Laboratório Zoológico e Antropológico (mais conhecido por Museu Bocage), e Museu e Laboratório e Jardim Botânico - seguiu-se o afastamento de facto, consumado com a transferência da Faculdade para as novas instalações da Cidade Universitária, no Campo Grande, após anos e anos de convivência frutuosa que remonta aos primórdios da velha Escola Politécnica. Esta separação institucional e física deixou os museus vazios de docentes e discentes, que foram, ao longo de gerações, o cerne da sua massa cinzenta. Com recurso aos seus espaços laboratoriais, às suas colecções, aos seus técnicos e auxiliares, aqui se ministrava o ensino, ao mais alto nível, dos três ramos das Ciências da Natureza, e se dava apoio laboratorial aos trabalhos de investigação, ligados muitos deles à preparação das dissertações de doutoramento dos seus assistentes e registados nas várias revistas científicas aqui editadas. Docentes e discentes partiam de vez, levando consigo equipamentos, pessoal técnico e auxiliar. Os enormes espaços ficaram desertos, além de esventrados e em tosco, em resultado do incêndio. E assim ficaram e estão desde há vinte anos. Nem a política de congelamento da contratação de pessoal na função pública, nem as magras dotações orçamentais permitiram a reinstalação desta velha casa. No quadro destas dificuldades, o Museu encontrou razão de ser no apoio que passou a dar às escolas, inovação do maior interesse, desde logo posto em evidência pelo número sempre crescente dos grupos escolares que aqui procuram um valioso complemento pedagógico. Museu de porta fechada, como lhe chamaram no passado, passou a tornar-se conhecido do grande público já depois da tragédia, e com o enorme vazio dos seus espaços, com a apresentação de grandes exposições temporárias que chamaram multidões de visitantes, numa manifestação de interesse generalizado, invulgar no nosso público. Também a abertura destes grandes espaços a outras actividades culturais é hoje uma realidade que já está a fazer história no relacionamento de uma instituição da área científica com outras manifestações do espírito. Do teatro à música e à dança, da pintura à escultura, são hoje conhecidas as muitas iniciativas que aqui têm tido lugar, dando significado a espaços interiores, subtilizados ou animando os belos recantos do Jardim Botânico. Mas não quiséramos que a criatividade científica do Museu sofresse com a nova situação. Os muitos projectos de investigação financiados do exterior (INIC, JNICT, Fundação Calouste Gulbenkian e outros) mantiveram essa actividade e até a aumentaram. Aqui se produziu muito e bom trabalho que nos tem grangeado o respeito dos nossos pares, quer a nível nacional quer no exterior. O Museu abriu-se, aceitando nos seus espaços grupos de trabalho dinâmicos, mas carentes dos apoios que temos sabido encontrar-lhes. Foi o caso do grupo DISEPLA, que aqui desenvolveu significativa actividade, no campo da geologia marinha. Ao fim de dez anos de reconhecido trabalho nesta área, confere ao Museu o estatuto de instituição pioneira neste domínio das ciências do mar. É ainda o caso do actual Laboratório de Palinologia, constituído por um grupo de investigadores no campo da palinologia e arqueologia, oriundos do Museu Nacional de Etnologia, e actualmente sediados nos espaços do Jardim Botânico. Foi nesta óptica de resistir sempre, tentando ultrapassar o abandono institucional que lhe vem da tutela, que o Museu Nacional de História Natural acolheu igualmente o Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL), de cuja actividade, aqui desenvolvida, entre outras valiosas realizações, de que o Museu tem sido credor, surge agora este trabalho, da autoria de Maria Estela Guedes e Nuno Marques Peiriço, que houveram por bem intitular Carbonários, Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864.
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