..........ADIÇÕES À FAUNA Boscá é a principal chave das espécies críticas de répteis e anfíbios, não só na Península Ibérica como nas Baleares. Vamos ter contacto com ele apenas na primeira fase da sua obra, quando vem várias vezes a Portugal, deixando a sua marca sobretudo na Serra de S. Mamede e Bom Jesus de Braga. Em Portalegre, deixa uma espécie de cobra e outra de sapo. É muito claro ao dizer que acrescenta essas espécies à fauna de Portuga (18): No obstante, á pesar de los frequentes chubascos y lo fresco del viento, pudo visitar los alrededores de la ciudad de Portalegre, que ocupa una situacion deliciosa entre aquellas montañas porfíricas, y prescindiendo de mi rápida ojeada hecha sobre la sierra propiamente dicha de San Mamede, he conseguido añadir dos especies más á la fauna herpetológica portuguesa: un reptil y un anfibio. Acrescentar à fauna é diferente de acrescentar aos catálogos: ele está a introduzir espécies, e com facilidade, pois a Macroprotodon cucullatus encontrava-se mesmo al otro lado de la carretera. Noutra cesta, entenda-se, ou teria devorado os Alytes cisternasii, se tivesse vindo com eles na mesma. A partir do momento em que é nomeado director do Jardim Botânico de Valência, não publica mais uma linha sobre herpetologia. Trinta anos depois, em 1916 e anos seguintes, volta a publicar, agora para dar conta de espécies acrescentadas à fauna19 de Espanha. Entre elas, Pelobates Wilsoni, dedicada a Mr. Woodrow Wilson, presidente de la República de los Estados Unidos de América y mantenedor de la justicia y libertad internaciona (20). Outras personagens desempenham papel importante na história da Chioglossa, embora não estejam antologiadas. Fernand Lataste, autor de uma obra clássica - Essai sur lHerpetologie de la Gironde - era pessoa habitualmente consultada pelos colegas de outros países. Criticará com acidez um dos primeiros catálogos de Seoane, mas, porque se limita a citar a Chioglossa, não houve motivo para o antologiar. Aparecerá no entanto em cena a propósito dos sapos parteiros. À obra de Schreiber não tivemos acesso, e à do americano Hallowell, que se diz ser a fonte de Schreiber no que toca à presença de Spelerpes fuscus (Chioglossa) na Península Ibérica, também não. Os grandes museus, como o de Londres e o de Paris, tinham poder e controlavam o conhecimento, não só por neles terem passado cientistas de grande mérito, como por disporem de bibliotecas bem apetrechadas e óptimas colecções, representando espécies de todo o mundo. Em Espanha e Portugal não havia livros nem colecções, Boscá está sempre a lamentar-se da indiferença dos governantes quanto à instrução pública. Os sistematas, antes de descreverem uma nova espécie, têm de saber se por acaso não terá sido já descrita, e para isso precisam de comparar os seus exemplares com os aparentados que de todo o mundo existem nos museus, e de compulsar muita bibliografia. Então há instituições e cientistas que têm de ser consultados por quem está em desvantagem. Esse o sentido das referências de Seoane a Strauch, Lataste, Montandon e outros, personagens importantes no romance que vai ler, mas que só surgem de forma indirecta. Boulenger era belga, estava ao serviço do British Museum. A seguir a Gray e a Günther, entretanto falecidos, é ele a pessoa mais influente do seu tempo no mundo da herpetologia. O que ele decidia, quanto a espécies, variedades ou subespécies, nos catálogos do British Museum, tinha o peso da lei. Assinou a descrição de espécies de Portugal e Espanha; algumas, como variedades. Bocage não gostava dele. Numa carta para Günther, queixa-se, dizendo que não se podia pedir nada aos novos, pois eram muito arrogantes. Quanto a Bedriaga, é um híbrido. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira informa que é espanhol, mas só o conhecemos a escrever em alemão e francês. Vive em cidades tão diversas como Jena, Nice e Heidelberg, publica na Rússia, assina J. de Bedriaga, J. von Bedriaga, Jacques Woldemar v. Bedriaga e certamente de outras maneiras, mas não há possibilidade de engano: Bedriaga é um carácter fixo e dominante de agitador. Ocupou-se da herpetofauna ibérica e das Baleares e também da de S.Tomé. Muito amigo de Moller, de Coimbra. Pouco amigo de Augusto Nobre, do Porto. Inimigo de Bocage. A Bedriaga, devemos muita luz. Foi ele quem nos forneceu a primeira prova inequívoca da prática deliberada da escrita híbrida, numa polémica com Bocage sobre a cobra verde venenosa de S. Tomé. Num congresso na Rússia (21), declara concordar em que se mantivesse o sigilo sobre espécies introduzidas, para não despertar a curiosidade dos coleccionadores, e dar tempo assim tempo à nova espécie para se aclimatar, mas o mais tardar ao fim de dez anos devia tornar-se público que espécies tinham sido acrescentadas à fauna. Para dar bom exemplo, diz que espécies introduziu em Nice. Também se mostra descontente com os criadores de híbridos, por lançarem a desordem na sistemática. Quem não sabe da hibridação e quer classificar os animais, vê-se em terríveis dificuldades. O mais intenso holofote projecta-o este extraordinário senhor ao rematar a descrição de uma nova espécie: oxalá os caracteres se conservassem nos exemplares dos museus (22). Ao menos isso: que o número de escamas e de dedos se conservasse no álcool, porque na natureza está ele a declarar que os animais iam mutar a alta velocidade. Estas comunicações e outras foram feitas no Congresso Internacional de Zoologia de Moscovo. Bedriaga foi porta-voz de informação importante: estava em curso uma operação científica que envolvia introdução de híbridos artificiais na natureza. Até disse onde, ao identificar aqueles que certamente já tinham sido introduzidos havia dez anos. Apesar do sigilo e da linguagem cifrada, eles continuam a informar ainda hoje e com a transparência de um pocillo de cristal (Boscá). São muito bons em tudo o que fazem.
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