Sabotage

 

JONAS PULIDO VALENTE


O meu nome é Jonas Pulido Valente. Tenho 31 anos e sou um bilingue funcional. A minha vida já me levou do Oeste selvagem ao Extremo Oriente. I’m a good poet in English too. O meu livro Diet Craic foi publicado nos EUA, no Reino Unido e no Japão e estou pronto para mais.


É com curiosidade que somos transplantados para a música dos Beastie Boys quando pela primeira vez ouvimos falar daquela discoteca, Sabotage. Como uma voz nasalada a arrastar o nome, cantado por um músico de metal que prefere rappar sobre uma linha de baixo do tamanho de uma montanha. No entanto, a discoteca não é nada disso apesar de Lisboa não ter espaço nem para o Sabotage nem para os Beastie Boys por serem da categoria Pesado Plus.

O bar estava na velha cidade, numa parte que tradicionalmente era frequentada por marinheiros, arruaceiros, rués, pessoas com ennui e necessidade de se reconhecer. Também pelas putas que satisfaziam todos estes. O Sabotage podia-se encontrar num destes cantos, sob construções de pedra escura portuária e a humidade fria que Lisboa consegue ter nestas zonas de charme decadente junto ao rio.

O local aguentou-se durante alguns anos, tinha um dono que gostava da boa vida e um staff porreiro, malta das correntes e piercings no corpo e na mente, dando algum do contexto que alguns bares que vão ficando com marcas do tempo ao longo das eras não tinham. O Sabotage na sua década de vida parecia que já tinha nascido para este propósito, como se o dono enchesse o bar de autocolantes no dia de abertura.

Quando abriu na sua zona, o Cais do Sodré, ainda havia alguns sítios virados para o Rock n’Roll. Afinal, era o que a clientela do local queria ouvir, apesar de já não ser a maioria dos aficionados por seja o que for da cidade. Havia uma certa fauna que fazia a noite mexer, e essa fauna preferia um riff a seja o que fosse. Talvez não dissessem que não a um whisky, mas a música nunca foi secundária. Será que foi esse o catalisador da sua queda?

O Sabotage, o Fantasma Lusitano e em menor escala alguns dos sítios em volta, faziam abanar cabeças, as ancas do Elvis e as poupas dos cabeçudos, mas tal como o CBGBs em Nova Iorque, eram locais de nicho, incubadoras de bandas que assim começavam os seus circuitos. Por mais limitados que fossem estes circuitos havia alguns concertos regulares daquele arco íris inverso de rockabilly-punk-metal que sustentavam a alma de quem genuinamente gostava de viver nesse ecossistema musical. Talvez no frio existam espaços para cada um destes nichos, mas havendo muito poucos espaços de rock na cidade juntou-se assim uma confederação de crentes dançantes no Sabotage.

E assim foi, mas um a um estes espaços foram fechando devido a queixas de ruído, principalmente pelos hotéis que iriam abrir de lado em lado para acomodar quem vinha a Lisboa, infelizmente para ver a sua gentrificação. E agora tenho saudades dessa gentrificação, deixou saudades pois a malta de fora que está na mesma situação de confinamento nos seus próprios países não pode vir. E assim restou mais nada em Lisboa. Minhas queridas francesas, suecas, primas brasileiras e italianas. Patrícios americanos… Todos eles quando iam dar ao Sabotage ficavam pasmados por ainda haver genuinidade escondida e um circuito eléctrico de Rock n’Roll. Adoravam a nossa Lisboa.

Ver a gentrificação acontecer é engraçado. Eu vi pessoalmente em várias partes do mundo, como assistir a uma daquelas velas irridescenctes lançar faíscas por todo o lado. Por um tempo até é melhor do que o antes ou o depois. As pessoas misturam-se, existe uma certa simbiose e sincretismo entre locais sujos para feios, porcos e maus, os tais poetas da vida e locais para os que preferem ver tudo limpo e seguro. Estes últimos locais têm tudo o resto, ouvindo música que infelizmente não se pode renovar por não ter o tal circuito de startup musical. Uma espécie de laboratório onde se testa o que sai para as massas. Portanto eles, e eu também, dependemos quase totalmente de quem vem de fora, em forma de MP3 ou vinyl, ou para dar um abanão ou um par de chapadas metafóricas a quem cá está.

A primeira vez que fui ao Sabotage eles nem cobravam entrada, coisa rara naquelas paragens. Mas foi uma das minhas grandes amigas do coração, assídua de tudo o que é interessante que me falou de um concerto de psicadelia que uns tipos de São Francisco viriam dar a Lisboa. Fiquei espantado, pois o Sabotage mal tem lotação para cem pessoas, mas o Sabotage era assim, conseguia o que poucos outros queriam. Trazer uma banda da Costa Oeste dos EUA para meia dúzia de pessoas. O mercado estava a pôr os dentes de fora e o Sabotage comeu antes que acontecesse fosse o que fosse.

Muitas vezes voltei ao Sabotage com o meu grupo de amigos rockeiros, mas nessa noite fui sozinho e comprei o meu bilhete de oito euros, fiquei na fila com os de shirts aos saltos, a malta gira, os muito bonitos e interessantes e fomos todos entrando aos magotes até o Sabotage estar cheio, sobrando apenas espaço para dançar.

E Bam! Os Elephant Stone arrancam um acorde sujo, dura uns 30 segundos de strum, estaria eu num concerto punk? O que é que estes gajos estavam a fazer ao porem o meu estômago vazio assim aos saltos? Depois da introdução “Somos de São Francisco, bora!” O concerto desdobrou-se e os outros instrumentos entraram como se nunca tivessem saído de Penny Lane, do Atlântico e Pacífico, do Texas alternativo e da juventude dos velhos agora conservadores.

Às tantas um dos tipos pega numa cítara e começa a solar lindissimamente, a acompanhar, a fazer bends com uma cítara! O meu corpo aquecido pela multidão dobrou-se com o palco aos nossos pés, com rock vivo a todo o gás de fundo. Do outro lado, ou seja na plateia, estávamos no Golden Gate Park com eles no dia de folga, a dançar o flow, como se estivéssemos num concerto de Airplane pesado, como enguias nos anos 60 num aquário de fumo de marijuana com Ph baixo. O concerto e primeira parte duraram cerca de duas horas e meia, saí de lá um homem magro e em forma.

O Sabotage voltou à música já gravada, muitas das pessoas foram-se indo embora, eu fiquei para depois cruzar olhares com uma miúda que se tinha rido para mim. Era namorada de um deles e tinha vindo com a banda de São Francisco. Não nos beijámos mas ambos queríamos. Os tipos vieram felizes por terem dado um concerto do caralho, estávamos todos nessa frequência. Brindámos juntos à música ao vivo e eles desenharam-me um mapa num guardanapo.

“É o nosso hostel, ficamos em Lisboa mais um dia. Vem para a after-party.”