Saberes docentes e formação profissional

DENISE PEREIRA PEDRO SOUZA, TATIANE VANESSA ABREU GAVA & PATRÍCIA AP. BIOTO

TARDIF, Maurice, Saberes Docentes e Formação Profissional.
Tradução de Francisco Pereira. Petrópolis: Vozes, 2002


Quais são os saberes que o professor mobiliza em sua atuação profissional e qual a natureza desses saberes? São conhecimentos técnicos, experienciais? Como esses saberes são adquiridos? Diante desses e dentre outros questionamentos, Maurice Tardif, autor do livro Saberes docentes e Formação profissional, em oito ensaios discorre sobre aspectos que envolvem os fazeres dos professores bem como as complexidades que envolvem a profissão docente.

Já na introdução o autor afirma que a questão do saber dos professores não pode ser dissociada das outras dimensões do ensino, nem do estudo nem do trabalho realizado diariamente pelos professores de profissão, de maneira mais específica. O saber do professor é um saber próprio que não pode ser desvinculado da sua identidade, da sua formação enquanto indivíduo e enquanto profissional.  Está intimamente ligado a sua história de vida, as suas experiências, as relações com os alunos em sala de aula e com outros atores escolares. Desta forma, ao analisar os saberes dos professores é necessário considerar esse contexto.

Numa perspectiva crítica sobre teorias que consideram os saberes puramente cognitivos ou sociais, Tardif traz em seu livro dois termos: o “mentalismo” e o “ sociologismo”.

O mentalismo caminha na vertente de reduzir o saber a processos mentais cujo suporte é a atividade cognitiva dos indivíduos. É uma forma de subjetivismo, na perspectiva filosófica.

Contudo o autor defende no primeiro ensaio  a ideia de que o saber é social e traz alguns argumentos que a sustentam. O saber é partilhado por um grupo com conhecimentos diversos, mas com uma formação muito semelhante entre eles, em sua atuação partilham da mesma organização, ou seja fazem parte de uma estrutura já definida e estão sujeitos a comparações, sendo que só será possível ter sentido nessa atuação quando as práticas são colocadas em evidência no que se diz respeito a atuação coletiva.

O saber é social porque é o sistema que valida esse saber e orienta sua definição e utilização. Desta forma não são os professores que definem esse saber, ele resulta de um processo de negociação entre grupos.

Numa complexa relação entre professor e aluno, Tardif pontua que o saber é social porque os objetos dessa relação são sociais. Envolve um processo de transformação, de educação e instrução.

O saber está em constante mudança, dependendo diretamente do momento histórico que estamos vivendo. O saber verdadeiro hoje pode ser refutado amanhã.

Por fim, aponta que o saber é social, pois no processo de constituição do professor esse saber é internalizado, modificado, reformulado de acordo com a prática diária e com os diferentes contextos que esses profissionais estão inseridos.

O sociologismo trata o saber como externo aos indivíduos e como uma produção em si mesmo e por si mesmo, desconsiderando o que de fato acontece na escola, as ideologias pedagógicas, as lutas profissionais…Em situação extrema coloca os professores em uma posição de ventríloquos, na qual os saberes produzidos pelos pesquisadores são simplesmente executados por eles, desconsiderando os saberes desses profissionais.

O autor defende a ideia de que é impossível desvincular a natureza dos saberes com o que os professores produzem enquanto conhecimento, os saberes construídos ao longo da sua vida e da sua atuação profissional. Esse conhecimento é puramente social e é incorporado à prática profissional adaptando-o e transformando-o.

Desta forma Tardif busca situar o saber do professor entre o individual e o social, entre a sua atuação e o sistema, baseando em diversos fios condutores sendo eles: Saber e Trabalho, Diversidade do Saber e Temporalidade do Saber.

No segundo ensaio sobre o Saber e trabalho diz que o saber dos professores está diretamente ligado com a sua atuação profissional. É no trabalho que o profissional coloca em prática o seu conhecimento de acordo com a situação em que se encontra. O saber está a serviço do trabalho.

Diante dessa linha de pensamento temos duas funções conceituais: a primeira que objetiva ligar organicamente o saber a pessoa do trabalho e ao seu trabalho. O que o profissional é e faz assim como o que ele foi e o que ele fez. A segunda é que o saber tem as marcas do trabalho, sendo o saber não somente um meio no trabalho, mas também é constituído no e pelo trabalho.

Quanto a Diversidade do Saber os professores quando questionados sobre os seus saberes afirmam ser o saber diverso, heterogêneo, constituído pelo saber-fazer pessoal e saberes curriculares.

Esse saber é também temporal, pois é constituído ao longo de uma história de vida, da atuação profissional, a partir de diversas experiências. Ao dizer que esse saber é temporal remete a questão de que o professor aprende a ensinar, progressivamente, vai dominando os saberes necessários à realização do trabalho docente. Esse profissional já esteve em uma posição de aluno, esteve em uma sala de aula. Sendo assim, essa vivência é formadora e por meio dela, adquiriu crenças, valores, construiu representações sobre o que é ser aluno e sobre a atuação do papel de professor. Esse saber proveniente da experiência escolar é cristalizado e muitas vezes nem a formação universitária consegue modificá-lo. Além da experiência escolar e familiar é necessário considerar também as experiências da própria carreira que marcam a trajetória profissional.

No terceiro ensaio o autor coloca que os saberes dos professores são também provenientes de sua ação no e pelo trabalho. Esse saber é organizado, hierarquizado mediante as situações vivenciadas no cotidiano.  A partir dessa ideia o autor levanta alguns questionamentos sobre como esse saber é mobilizado, quais critérios são utilizados pelos docentes nessa seleção de saberes? Sobre a valorização de cada um desses saberes.

O ato de ensinar exige diversidade de saberes dos professores que são adaptados, transformados e ressignificados.

No quarto ensaio o fio condutor são os modelos de ações presentes na prática educativa. Esses modelos são elaborados pelos professores para orientar, conduzir e estruturar a sua prática no cotidiano.

O autor faz uma reflexão sobre a teoria pautada na prática, pois a ação educativa não está ligada, necessariamente, ao âmbito da teoria e da ciência, muitas vezes o que estrutura a ação do professor, provém da cultura cotidiana, do mundo vivido ou das tradições educativas e pedagógicas.

Ao longo do ensaio são apresentados quadros para analisar os modelos de ação a partir dos quais a prática educativa pode ser representada, estruturada e orientada. Antes de tudo, Tardif indica que ao analisar a prática educativa esta deve ser feita com a mesma seriedade intelectual utilizada para a categoria da técnica.

A prática educativa, neste ensaio é analisada numa perspectiva de três concepções: A educação enquanto arte, A educação enquanto técnica guiada por valores e A educação enquanto interação. Essas reflexões objetivam analisar a própria tradição cultural e tradicional antes de responder alguns questionamentos sobre a prática educativa.

Em seu quinto ensaio é apresentado a conceituação sobre o “saber”, quando Tardif ( 2002, p. 199) define o saber como aquele que se apresenta na forma de pensamentos, tanto como as ideias, mas também quando fazemos uso dos  juízos, por meio dos discursos, e por fim com as argumentações que seguem uma ordem de exigências da nossa racionalidade . Mesmo com a definição do saber ele não deixa de citar que o saber é flexível concomitantemente com sua forma restrita.

O autor apresenta em seu sexto ensaio, duas teses principais que são defendidas no texto sobre os professores. A primeira tese justifica que os professores são sujeitos repletos de conhecimento e saberes específicos desenvolvidos no dia a dia da docência. A segunda defende a ideia de que no cotidiano de seu ofício o professor não realiza exclusivamente a aplicação de saberes produzidos por outros, mas sim está inserido em um espaço de produção, que se transforma à medida que ele mobiliza seus saberes próprios relacionados também a sua identidade e que se apresentam nas subjetividades que o cercam.

Na medida que o autor nos apresenta em seu sétimo ensaio, como as relações entre os saberes dos professores  e os conhecimentos universitários ele enumera oito características se são consideradas as principais do conhecimento profissional: a primeira delas está relacionada ao apoio dos conhecimentos especializados e formalizados; o segundo é a aprendizagem desses saberes devem ser de alto nível, de preferência universitário ou semelhante; o terceiro está voltado a situação de resolução de problemas concretos de forma pragmática; o quarto somente os profissionais tem o exclusivo e direito de usá-los por sua competência no ofício; quinto que a competência ou incompetência de seus pares só pode ser avaliados pelos mesmo profissionais; sexto que a exigência desses conhecimentos exigem autonomia e discernimento para  com os profissionais; sétimo se faz necessário formação continuada e contínua em busca também de autoformação e pôr fim a oitava característica busca responsabilizar o mal uso dos conhecimentos por estes profissionais a chamada (malpratice).

O autor apresenta seis consequências das modificações acerca das concepções sobre as pesquisas universitárias atuais. A primeira delas é um processo centrado no estudo dos saberes dos atores em seu contexto real de trabalho, em situações concretas de ação. O segundo afirma que há um distanciamento entre os saberes profissionais e os transmitidos no âmbito da universidade. Terceiro, se apresenta na distância entre os estudos da etnografia que fazem relação com os conhecimentos universitários. Quarto aspecto é que se pare de considerar o professor como o idiota cognitivo; quinto ponto é definição do professor pelo caráter não-normativo, pensar no que é e não no que deveria ser e por fim um estudo do conjunto dos saberes mobilizados e utilizados pelos professores em todas as suas tarefas o que de fato é a epistemologia da prática profissional.

Por fim, em seu último ensaio do livro trata sobre a formação de professores em uma análise epistemológica dos modelos universitários de formação. Em sua conclusão ele faz uma crítica a falta de relação da entre os conteúdos teóricos aprendidos nos espaços universitários e o uso real das práticas vivenciadas pelos professores. A relação teoria e prática no desenvolvimento do ofício dos professores, ainda é uma das problemáticas mais pesquisadas, mesmo assim Tardif (2002 p. 273)   por outro lado cita que existem buscas de possibilidades para mudar este cenário, a fim de reformular os fundamentos epistemológicos da profissão.

Conclusão: Esta obra aborda, de forma provocativa, os saberes da profissão docente bem como as complexidades que a envolvem. Ao longo da leitura acende a chama da esperança quanto à valorização da profissão de professor.

 

 

Denise Pereira Pedro Souza. Possui graduação em Pedagogia pela Faculdade Anchieta Instituto Superior de Educação Anhanguera Educacional (2010).Especialização em educação especial: deficiência intelectual (2012) faculdade Clarentiano. Especialização em docência do ensino superior (2015) faculdade Campos Elíseos. Especialização em Alfabetização e letramento na Faculdade Educamais UNIMAIS (2020). Graduação em Educação Física pela Faculdade Educamais UNIMAIS (2021).  Mestranda em Gestão e Práticas Educacionais pela universidade Nove de Julho – UNINOVE. Atualmente trabalha como Assistente Pedagógica na Prefeitura Municipal de Santo André. Trabalha na área de Educação atualmente com formação de professores.

 

Tatiane Vanessa Abreu Gava . Mestranda em Educação no programa PPGE pela Universidade Nove de Julho, especialista em Psicomotricidade e Psicopedagogia,  graduada em Letras pela Universidade Fundação Santo André e em Pedagogia pela Universidade do Grande ABC. Atua na área da Educação há 17 anos, dentre eles 13 destinados à Educação pública, atualmente está como Coordenadora de Serviço Educacional na Prefeitura do Município de Santo André.

 

 

 

Patrícia Ap. Bioto (Brasil). Pedagoga, Doutora em Educação pela PUC-SP com tese sobre a configuração do professor moderno nos tratados pedagógicos dos séculos XVI e XVII. Professora do Programa de Mestrado Profissional em Gestão e Práticas Educacionais (PROGEPE) da UNINOVE-SP. Autora de livros e capítulos sobre formação de professores, currículo e políticas educacionais. Também pesquisa sobre a história da formação de professores. Líder do Grupo de Pesquisa Formação de Professores: contextos, epistemologias e metodologias.