GALERIA DE POEMAS / DE REPENTE / DISTANTE MELODIA
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
17-08-2003 www.triplov.com

h_repente


DISTANTE MELODIA...

Num sonho de Íris, morto a ouro e brasa,
Vêm-me lembranças doutro Tempo azul
Que me oscila entre véus de tule -
Um tempo esguio e leve, um tempo-Asa.

Então os meus sentidos eram cores,
Nasciam num jardim as minhas Ânsias,
Havia na minha Alma Outras Distâncias -
Distâncias que o segui-las era flores...

Caía Ouro se pensava Estrelas,
O luar batia sobre o meu alhear-me...
- Noites-lagoas, como éreis belas
Sob terraços-lis de recordar-Me! ...

Idade-acorde de lnter-sonho e Lua,
Onde as horas corriam sempre jade,
Onde a neblina era uma saudade,
E a luz - anseios de Princesa nua. ..

Balaústres de som, arcos de Amal,
Pontes de brilho, ogivas de perfume...
Domínio inexprimível de ópio e lume
Que nunca mais, em cor, hei-de habitar. ..

Tapetes de outras Pérsias mais Oriente,
Cortinados de Chinas mais marfim,
Áureos Templos de ritos de cetim,
Fontes correndo sombra, mansamente,

Zimbórios-panteões de nostalgias,
Catedrais de Ser-Eu por sobre o mar...
Escadas de honra, escadas só, ao ar...
Novas Bizâncios-Alma, outras Turquias...

Lembranças fluidas... cinza de brocado...
lrrealidade anil que em mim ondeia...
- Ao meu redor eu sou Rei exilado,
Vagabundo dum sonho de sereia...

(Paris, 30 de Junho de 1914)