11 de Julho 66. O nosso Paulino vai passar uns dias a Santarém e diz que vai um dia a Lisboa; para isso pedi-lhe o favor de levar uma pequena remessa que consta dos seguintes objectos - um ninho de Carreirola (1) com ovos, e dois ovos da nossa Coruja, e um de A. minuta, vulgo Garcenho. A remessa é pequena mas vai de boa vontade de quem lha manda. Ainda não sararam as minhas borbulhas e têm aumentado em número. O paúl pequeno próximo à Cidreira (2) está esperando que o lá vá aliviar do peso de alguns ninhos e ovos de cettia lusciniodes (3) etc., que me dizem há lá em abundância. Mandei o Manuel dos ratos à Foja às Lymnêas (palustris) e não trouxe coisa alguma. O rapaz veio desanimado dizendo que era muito infeliz dando a entender que não queria continuar a ser bicheiro. Ganhou 600 réis que eu lhe tinha prometido e que ele bem mereceu pelo trabalho que teve. Esquecia-me dizer que na remessa que o Paulino leva também consta mais 2 F. tinnunculus (4), um velho fêmea e outro novo, um Gaio novo e um Parus major (5) também novo. Não se esqueça de me falar na remessa do Alves de Sá; sei que a recebeu e que não a tinha ainda visto quando me escreveu a última carta. Estava com grande empenho de ver os girinos da Chyoglossa (6); o que me diz deles? Qual é o nome científico das Planorbis? Quer mais girinos da Chyoglossa para o mês que vem? Julgo conveniente apanhá-los até Setembro para lhes notar as diferenças que fazem no tamanho. Nada de sapos nem de cobras. No paúl achei muitas Natrix viperina (7) e torquata (8), porém nada de novo. Não deixe de me escrever no Domingo próximo. Se soubesse quanto aprecio as suas cartas não seria tão descuidado. _________________
Recebi agora mesmo a sua carta de 9 do corrente, a qual muito agradeço. O ovo de Cegonha que lhe mandei mandaram-mo das proximidades de Évora cidade. Vieram-me 4 dois dos quais vinham cheios e quebraram-se. Se quiser também o que cá tenho diga-mo com franqueza. Eu também, como sabe, faço a minha colecção de ovos e ninhos, porém faço-a somente daqueles de que já há no nosso Museu; alguns lá há que eu ainda não tenho, e não tenho alguns que lá não há. O seu folheto sobre os peixes de couro (9) é excelente. Se o meu amigo chega a descrever assim todas as espécies das nossas costas, faz por certo um grande serviço à ciência. O ninho da brachidactyla leva 5 ovos dois dos quais são diferentes dos outros por pertencerem a outro ninho da mesma espécie. É esta a dificuldade de conhecer a ave pelos ovos. Desejo o seu restabelecimento. Amigo do coração Bicheiro-mor (1) Alauda brachydactyla em Bocage (1862). Calandrella brachydactyla brachydactyla em Themido. Nenhuma C. brachydactyla em Sacarrão & Soares. (2) Lugar da freguesia de Antuzede, concelho de Coimbra. (3) Em Themido, luscinioides é a Locustella. Na Cettia não existe essa sinonímia. Porém Bocage (1862) anota a possível presença em Portugal de Cettia lusciniodes. Em Sacarrão & Soares só figura uma Cettia, C. cetti, o rouxinol-bravo, e entre as Locustella há uma L. luscinioides, a felosa-unicolor. (4) Falco tinnunculus - peneireiro. (5) Parus major - chapim-real. (6) Chioglossa. (7) Natrix viperina - Natrix maura - cobra aquática. (8) Natrix torquata - Natrix natrix astreptophora - cobra de água. (9) BOCAGE, J.V.B. & CAPELLO, F.B. (1866) - Peixes plagiostomos. Primeira parte. Esqualos. Lisboa. Ver bibliografia de Bocage em Biblos-Alexandria. |