29 de Novembro 64. Meu caro amigo O nosso Manuel Paulino achou o nosso Museu ainda melhor do que ele imaginava e não põe defeitos no edifício. Aceite lembranças dele. Agradeço a memória que me mandou (1). É provável que não esquecessem os peixes vermelhos que lhe mandei, dos quais chegou aí um vivo; se na memória não se faz menção deles é por serem talvez a Ruivaca da China (2). O que esqueceu foi falar das Bogas do Mondego, ou antes as confundiram com as vindas do Crato. Não me esquecerei de lembrar a um pescador que veja se apanha um barbo que ele diz ter cara de Macaco, pode ser o Barbus Comizo do Tejo. Os pássaros que me pede na sua carta podem agora mesmo caçar-se, excepto o H. polyglota (3), que só aparece em Maio. Para pouparmos o J. Henriques, enviar-lhe-ei alguns por preparar, e hão-de chegar em bom estado, porque o tempo o permite. As víboras que lhe mandou o Dr. Costa Simões são espécie que ainda lá não tinha? Não quer mais Cyoglossa Luzitanica (4)? Peço-lhe veja em algum autor a descrição do cultripes (5) fêmea para sabermos se esse grande que também mandei é a fêmea do outro. Se o tempo melhorar vai o António ao Buçaco às salamandras; de hoje em diante hei-de atender melhor as salamandras Tritões (6) verdes, pode ser que eu tenha confundido algumas espécies julgando-as todas marmoratus (7). Também hei-de ver melhor os Saramantigos por causa do Lippotriton punctatus (8) para o não confundir com o palmipes (9). O Manuel dos ratos anda apanhando a azeitona, e somente depois, poderá ir a eles. A ratoeira que fiz para as cobras é excelente para os ratos grandes, tenho apanhado nela muitos (tectorum) (10), que são matreiros. Diga-me em que pára a sua questão com os franceses relativa aos ratos d'água, eu julgo que o meu amigo terá lá ambas as espécies; palpando com um dedo sobre a testa dos ratos d'água, há-de achar nos maiores uma saliência que não encontra nos pequenos, estes últimos julgo que são os (Musignani) (11). Preste atenção aos ratos campestres que lhe levou o Paulino; não tenho por aqui apanhado desses, talvez sejam variedade do Sylvaticus (12). Estou ansioso por que enxugue o campo para ir à Geria : parece-me que o A. rosianus (13) é rato de lameiro e não de montanha; tinha os intestinos cheios de plantas aquáticas, e o mesmo tenho achado nos ratos de água. Os (incertus) continuam aqui a cair nas ratoeiras com abundância. O seu criado é jeitoso para ir a Sintra apanhar alguns na ratoeirita que lhe dei. Procuram-se nos buracos das Topeiras e, costumam cair à uma hora da tarde, e melhor de noite. Vou jantar. P. Prandium Qual é a comida mais própria para os bicheiros? Na minha humilde opinião (pois não sou gastrónomo) o lombo de porco assado no espeto, se não é a melhor, é pelo menos muito boa. Vou agora ao Café, que segundo me disse o meu amigo, foi o salva-vidas dos franceses na Crimeia; por isso tomarei 2 chávenas. Amigo do coração Rosa (1) Veja, em Biblos-Alexandria, no TriploV, que artigos publicou Bocage neste ano. (2) Há um ruivaco (Rutilus macrolepidotus), mas Rosa fala dos peixes de aquário e de jardim, Carassius auratus, de que há muitas raças e se diz serem de origem asiática. (2) Hippolais polyglotta - felosa-poliglota. (3) Triturus marmoratus. (4) Chioglossa lusitanica - salamandra. (5) Pelobates cultripes - sapo de unha negra. (6) "Tritões " está escrito por cima de "salamandras". (7) Os tritões verdes são os Triturus marmoratus. (8) Triturus helveticus sequeirai. (9) Triturus helveticus sequeirai. (10) Mus tectorum - Rattus rattus (11) Microtus musiniani. (12) Apodemus sylvaticus. (13) Arviola Rozianus Bocage=Microtus agrestis. |