22 de Agosto 64. Meu caro amigo - Recebi a sua carta de 17 do corrente. Quanto ao Sapo pode estar certo de que é espécie que ainda lá não tem. Relativamente às cobras que cá tenho, direi que não me parecem variedade da viperina (1) basta serem apanhadas nesta quinta e nunca serem vistas na água; quando o viperinus (2) nunca o vi senão na água; e é aqui e nas valas do campo a espécie aquática mais vulgar, muito mais ainda do que a Torquata (3). Aquela com que mais se parecem as que cá tenho é com a scalaris. A descoberta da chioglossa fez com que eu longe de ter ódio aos répteis, vá simpatizando com eles, menos porém com o Sapo-vulgar e com a S. maculosa (4); dê-me alguém muitos contos de réis e que pegue eu nos tais sujeitos ainda mais do que hediondos animais!.! O padre que tem o Garcenho morto na Geria, foi para o Porto e estou esperando a resposta duma carta que lhe escreveram a pedir-lho; dizem-me que esteja certo de que o dá; o Garcenho está em Coimbra. Tenho tanto empenho nas Víboras, que até as encomendei a uma Madama que foi há 15 dias para as proximidades da Serra da Estrela! Um seu conhecido por apelido Esquiápa (5) que é empregado nas minas deste reino, e não sei agora aonde pára, disse-me em casa do Manuel Paulino que achara uma Víbora no Gerês (salvo o erro) a qual tinha o pescoço amarelo, e disse que dera disto parte ao meu amigo, logo que o viu não sei aonde. O homem Schiápa não mentiu por certo, e a tal Víbora era a tal (aspis) (6). Não me consta que no Buçaco as haja, porém julgo que as deve haver na mesma serra mais para o nascente, porque sei que aparecem algumas raras na serra de Agrelo que fica ao sul da do Buçaco duas léguas distante (7). O meu correspondente particular de Mangualde dá-me a satisfatória notícia de que os Toirões são ali frequentes, e que já encomendara ratos etc.. Eu respondi encomendando-lhe muita coisa mais ainda do que as que já lhe tinha encomendado; ele também me diz que não há o Esquilo (8) mas sim o Arganaz (9). Esta notícia é triste. Palpita-me que o Rapaz alguma coisa arranja porque tem a pancada bicheira. Consta-me que o Primo do Dr. Cortez foi ao nosso Museu viu-o, gostou, e foi nele muito bem recebido não sei por quem, pois ele não me escreveu; foi para Cabo Verde, daí para o Pará, e depois para Lisboa. O Hotel do Carolo ainda está no mesmo local, e é mesmo Hotel, se não está mais aumentado. "Tenho muito empenho em duas aves estrangeiras, que sejam lindas; fará muito favor se mas trouxer quando aqui vier, e sejam das que tiver mais sobresselentes. Veremos se se esquece!" O Cortez foi para o Algarve, dizem-me que está a chegar aqui. Não se esqueça de trazer o Deglan que pode ser necessário. Se o meu amigo está disposto a trabalhar cada vez mais, também lhe afirmo que eu o estou, os ratos e répteis chamam toda a minha atenção e como hoje o que procuro são coisas novas e nas aves não as acharemos, eu abandonaria as aves se pudesse vencer a força atractiva que para elas me arrasta desde a minha infância. Custa-me a crer que o Garcenho seja coisa nova. Quando nos desenganaremos? Conto que breve. Sempre amigo e bicheiro Rosa P.S. Depois de escrever esta carta vi na quinta uma cobra diferente das que tenho; e disse-me um trabalhador que é de Agrelo que distante um quarto de légua da casa dele há muitas Víboras. Agrelo fica para o lado de Lorvão.
(1) Natrix viperina - Natrix maura, cobra de água viperina (2) Natrix viperina, Tropidonotus viperinus var. incertus, Tropidonotus (Natrix) viperinus aberr. nigra, etc., fazem parte da extensa sinonímia de Natrix maura. Crespo, 1972 (3) Coluber torquatus - Natrix natrix astreptophora, cobra de água de colar. (4) Salamandra maculosa - Salamandra salamandra gallaica. Crespo, 1971 (5) João Baptista Schiappa de Azevedo, engenheiro militar, estudou na Escola Politécnica e foi companheiro de Nery Delgado e Carlos Ribeiro. Era funcionário da Repartição de Minas do Ministério das Obras Públicas. (6) Vipera aspis - Vipera berus seoanei - Vipera seoanei. (7) A Vipera seoanei só está registada para o Norte de Portugal: serras de Castro Laboreiro, Soajo e Tourém. (8) Ao tempo, o esquilo só estaria registado para Belas. Hoje, é natural que viva noutros lugares de Portugal. (9) Rato com cauda peluda, parecida com a dos esquilos. Duas espécies em Portugal: Eliomys quercinus e Eliomys lusitanicus (Manuela da Gama). Madureira e Ramalhinho só reconhecem a primeira. |