Quinta do Espinheiro, 9 de Julho de 1863

Meu caro amigo

Pedi ao Manuel Paulino (1) que escrevesse para Braga a um conhecido dele exigindo informações descrições (2) exactas relativas às águias do Gerês: ele escreveu veremos a resposta. Estou com cuidado na doença do seu adjunto no Museu (3), o meu amigo fará o favor de me dar notícias dele; hoje a doença deve ter-se declarado.

Quanto aos ninhos tenho apenas um de Trepadeira para lhe mandar, e são poucas as espécies das quais tenho a mandar o ninho. Faltam-me os ovos dos Patos e do mocho ordinário, ficam para o ano, estes são muito difíceis de obter. Torno a pedir-lhe = quando fizer a colocação dos ninhos queira avisar-me para eu lhe fazer algumas indicações relativas a alguns deles. Hei-de mandar-lhe com brevidade alguns exemplares de Hirundo apus, não afim da Melba (4) que é muito custosa de obter, esta só se apanhará morta, e o nosso Júlio (5) não está cá para a preparar, porque partiu para a terra na terça-feira passada; ele ia animado do melhor espírito; levou a ratoeira para os Mygales (6) e disse que por aquelas seriam feitas outras para tentar uma caçada ou mais em forma. Veremos o resultado. Desejo muito saber se o zoófito de Setúbal (7) é de água salgada ou doce, se é duro ou mole, e como o conserva. Têm-se descoberto aqui alguns moluscos terrestres cuja existência nesta terra se ignorava, foi o que aconteceu com o H. lusitanica que eu aqui descobri (8). O nosso Dr. Albino (9) talvez lhe tenha já falado neles, deve-o ter feito visto pertencerem à especialidade dele. Uma coisa muito boa que o meu amigo faz é não se meter por ora com os insectos, talvez por saber que quem se mete com eles tarde sairá. Coleoptéros (10) e Borboletas nocturnas é um nunca acabar. O Manuel Paulino tem já uma boa colecção deles, é a melhor de Coimbra.

Têm por aqui feito a experiência de conservar os Coleoptéros em álcool muito forte, mas o resultado é sempre desfavorável; espetados é que os conservam.

Quando vierem os peixes de Inglaterra fará favor de me dizer os nomes científicos deles, pois tenho curiosidade em conhecer os peixes do Mondego. Tenho um Lineu com algumas notas e diz que o Barbo é o Cyprinus barbus, que a Ruivaca é a Cyprinus rutilus, etc.. bem pode ser que assim não seja. Quando manda para lá as Salamandras?

São 3 horas da tarde e como não mando esta carta senão amanhã, vou dar um passeio com a espingarda e na volta a concluirei.

Não matei coisa alguma, vi uma lebre e um coelho e grande número de Parus cristatus (11) que não sei aonde criam, porém vê-se que são sedentários. Na minha ausência veio aqui o nosso António de Carvalho e o Mathias, fui depois encontrá-los na quinta do Pessoa, o António recomenda-se assim como o Cortez.

Diga-me alguma coisa do projectado Jardim Zoológico em Lisboa.

Sei quanto é ocupado o tempo para o meu amigo, por isso não estranho o não me falar nas moedas antigas que lhe pedi há tempos, porém será bom me diga que se não esquece, para calar certa boca...

Amigo do Coração

Rosa


Helix lusitanica (em Augusto Nobre)


(1) Manuel Paulino de Oliveira, que virá a ser director do Museu Zoológico de Coimbra. Veja a sua bibliografia em Biblos-Alexandria, neste site.
(2) A palavra "descrições" está escrita por cima de "informações".
(3) Félix de Brito Capelo, que morreu novo e assinou trabalhos sobre peixes com Bocage. É um dos poucos ilustradores portugueses desta época.
(4) Apus melba, Andorinhão.
(5) Júlio Henriques, botânico, fundador da Sociedade Broteriana e do seu Boletim.
(6) Mygales são tarântulas. Trata-se da toupeira-de-água, Galemys pyrenaicus, em cuja sinonímia cairam Myogalea rufula e Myogale pyrenaica rufula, cujo nome também se grafa Mygala.
(7) Porifera (esponjas): Hyalonema lusitanica.
(8) Caracol: Helix lusitanica. Madalena Seixas não refere nenhuma espécie Helix lusitanica para Portugal, nem sequer nas sinonímias dos Helicidae. Tivemos porém conhecimento da sua redescoberta.
(9) Albino Giraldes, director do Museu Zoológico de Coimbra.
(10) Coleoptera - coleópteros (escaravelhos).
(11) Aves. Chapim-de-poupa.