JOSE ANTONIO DA SILVA PINTORES DO BRASIL www.triplov.com 14-06-2003 |
HÚMUS, HOMO, HUMILDE Desde criança sentiu inclinação para o desenho. Rabiscava em superfícies improvisadas. Autodidata, corajoso, visionário e aventureiro, inventando os próprios meios, Silva barganhava pinturas por mantimentos, remédios e bugigangas; dava quadros em troca de receitas médicas. Semi-alfabetizado, e durante 10 anos, escreveu o Romance da Minha Vida, editado em 49 pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. Publicou os versos de Sou Artista, Sou Poeta (81) e três outras narrativas romanceadas Maria Clara (70, prefácio de Antônio Cândido), Alice (71, adaptada em 86 como a peça “Rosa de Cabriúna”, pelo Centro de Pesquisa Teatral do Sesc, direção de Márcia Medina, sob a supervisão de Antunes Filho) e Fazenda da Boa Esperança (87). Embora no decênio de 1940 fosse desconhecido em Rio Preto, merecendo apoio de uns poucos jornalistas e intelectuais, como Basileu Toledo França e Dinorath do Valle, Silva foi revelado em 1946, na exposição de inauguração da Casa de Cultura, pelos críticos Lourival Gomes Machado, João Cruz Costa e Paulo Mendes de Almeida. Imbuídos estética e ideologicamente pelo Modernismo de 22, aqueles intelectuais enxergaram no artista genuína expressão da cultura rural brasileira, mormente a caipira. José Antônio participou, em 1949, da Exposição de Pintura Paulista, no Ministério da Educação e Saúde da então capital federal. Expôs em 50 no MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 51 recebeu o Prêmio de Aquisição do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. No ano seguinte, foi selecionado para participar da XXVI Bienal de Veneza. Em 53 participou da II Bienal de São Paulo; em 54, foi premiado pela II Bienal Hispano-americana de Havana; em 55, foi admirado na Exposição Internacional de Lissone, Milão. Em 56, mencionado no “The Arts in Brazil”, de Pietro Maria Bardi, Milão; em 60 foi referido no “Who’s who in Latin América”, dicionário de personalidades notáveis editado por Wheeler Sammors de Chicago. Passaram-se muitos anos e conquistas. Em 87, além da exposição coletiva Brèsil Arts Populaires Contemporain organizada pelo Ministério da Cultura e a Maison des Cultures du Monde da França, fez parte da Sala Especial Imaginários Singulares da XIX Bienal de São Paulo. Em 1966, Silva criou o Museu Municipal de Arte Contemporânea de Rio Preto. Ainda nesse ano, além de coletivas em Moscou e Paris, foi distinguido com “Sala Especial” na Bienal Internacional de Veneza. É citado em dicionários e enciclopédias nacionais e estrangeiras; referido e estudado em livros de história da arte. Há publicações sobre o artista no Brasil e no exterior, além de estudos universitários de alto nível. Acerca do artista foram realizados filme de cinema, reportagens em jornais e revistas, inúmeros programas de televisão e o CD-Rom ȁJosé Antônio da Silva”, produzido pela Associação dos Amigos da Pinacoteca e Prefeitura de São Paulo. Silva possui quadros em Galerias e Museus de várias partes do mundo. Na capital, faz parte do MASP, do MAM, do MAC, da Pinacoteca do Estado e do Museu de Arte Sacra. Após a aposentadoria da Biblioteca Municipal, José estabeleceu domicílio e atelier em São Paulo. O Museu de Arte Contemporânea foi fechado e as obras do acervo, assim como objetos históricos coletados pelo artista, ficaram abandonados, sujeitos ao calor e à umidade, às traças, ao fungo... ao esquecimento. Anos mais tarde, essa fortuna cultural foi doada pelo artista a Rio Preto e, em 80, inaugurado o MAP Museu de Arte Primitivista ‘José Antônio da Silva’. Em 99, com a interdição do prédio, as telas de Silva foram depositadas nos porões do Teatro Municipal, onde permaneceram até março de 2001. Silva foi um Antônio; um José... tudo nome de gente simples, ordeira e cumpridora. Foi emblema político e gritante do sem-terra, do sem-teto, do sem-nada que venceu na vida. À moda dos artistas populares, e incorporando tardiamente um ardente romantismo, fez de sua existência, arte; de sua arte, vida. Era personagem de si mesmo, um rapsodo perdido em desejos. Materializou o mito do pertencimento à nação... ao caipirismo. Seu tino para a expressão crua da arte fez ecoar pelos quatro ventos as aspirações, devaneios, sentimentos e paixão que identificam a maioria esquecida e espezinhada do país. Seu primitivismo de cores desnorteantes para os padrões chiques das “belas artes” revigora arquétipos e símbolos elementares da existência coletiva. O artista parece a encarnação da voz do povo, pronunciada no dialeto esquecido pelas elites integradas. Seja em pintura, literatura ou no que lhe indicasse a prodigiosa inspiração, Silva se expressava como poetizaria Manuel Bandeira em “Evocação do Recife” ȁna língua errada do povo, na língua certa do povo, pois ele é que fala gostoso o português do Brasil”. José Antônio, ingênuo em muitos aspectos, foi sujeito sabido, despachado, instintivo, descomedido, espontâneo e previdente; foi singelamente culto no sentido mais refinado que se dá a essa palavra. Em 12 de março de 2001, quando o artista completaria 92 anos, o MAP voltou a funcionar. Entre abril e junho foram restauradas 11 de suas telas a óleo, com o apoio cultural do SESC Rio Preto. Em março de 2002, inaugura-se no MAP Museu de Arte Primitivista ‘José Antônio da Silva’ a exposição permanente Silva: Imagens e Meios, composta de 26 objetos fotográficos impregnados de óleo sobre tela, com forte influência da Pop Art norte-americana e outros movimentos experimentais de 1960 e 70. Materializa-se outra vez a utopia de Silva, acalentada desde moço, quando chegou em Rio Preto, de mala e cuia, desejos visionários, a tristeza encalacrada do caipira tradicional, e a semente quixotesca de melhores dias. Cores exuberantes de seus quadros refletem uma sesmaria rústica e remota, que se transformou no Brasil de hoje. Romildo Sant'Anna, escritor, prêmio 'Casa das Américas' (Havana), é curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' - São José do Rio Preto, Brasil.
|