Roberto Gomes, filósofo e editor curitibano publicou “
Crítica
da
Razão
Tupiniquim
”, superando dez edições. O
título
parodia a célebre “
Crítica
da
Razão
Pura
” de Immanuel Kant. Num dos
capítulos
,
traça
mordaz
reflexão
sobre
os
conceitos
de “
sério
” e “a
sério
”,
bastante
aplicáveis a
certos
núcleos
de elite,
mormente
as encasteladas nas
academias
. Enfoca
também
o
rompante
exibicionista de “
cultura
ornamental
”,
ponto
de
glória
de
fastidiosos
ensaístas
,
críticos
e
falastrões
em
geral
.
Observador
dessa “
altivez
intelecta
”, e
ante
a
crescente
demanda
,
este
cronista formula
esboços
de
um
singelo
Manual
. Aos
desinteressados
, tenham-no
como
os
trailers
de
cinema
, os
quais
,
quase
sempre
, recomendam
filmes
a
que
não
devemos assistir.
Para que faça jus ao epíteto “blefador”, seja convicto e “sério”. A autoconfiança é fundamental a quem se atreve enveredar por inumeráveis assuntos fingindo dominá-los. Nunca é demais lembrar que você deverá adquirir opúsculos do tipo “O Pensamento Vivo de Nietzsche”, Jung, Chaplin, Borges e, óbvio, Da Vinci, tão nas bocas hoje-em-dia. Dicionários enciclopédicos (sem falar na Internet) são obrigatórios. E, eventualmente, coletâneas bem-humoradas como “As Melhores do Mau Humor” de Ruy Castro. Você faria boa figura proferindo frases como “Não confio em produto local. Sempre que viajo levo meu uísque e minha mulher”. Mas, cuidado: a entonação pode insinuar arrogância e machismo. Ou será famoso como faroleiro vulgar. Livre dessa “armadilha de iniciantes”, e se quiser mostrar-se “espiritual”, enxerte suaves colocações interrogativas como “E se este mundo for o inferno de outro planeta?”. Atenção: mencione autores, no caso, Fernando Sabino e Aldoux Huxley. Além de impressionar pela grande memória, propicia credibilidade. Em nenhuma hipótese apareça com sacadas do tipo “hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”. Além de banalizada pelo uso, encheria a bola dos interlocutores. E, pior, achando-se também inteligentes, se sentiriam à sua altura.
Blefador experiente não perde tempo em ambientes inadequados à ostentação intelectual. Tampouco, dispensa a assistência de um comparsa. Entre si, são leais e éticos. Assim, você poderia enfiar numa discussão sobre política: “O poder não corrompe o homem. Mas os tolos, quando alcançam posição, corrompem o poder”. O outro indagaria, apertando os olhos como que rebuscando o que já sabe: “Quem mesmo escreveu isto?”. E você, baixando a voz pra não parecer esnobe: Bernard Shaw!
Saiu há tempos uma coleção que inclui títulos
como
“Bluff Your Way in Theatre”, “in Advertising”, “in Literature”, “in Journalism”. Estudiosos comprometidos com o blefe ensinam os “primeiros passos” da cultura ornamental. Em “in Music”, Peter Gammond recomenda que, numa conversa sobre Johann Sebastian Bach, qualquer insinuação de desprezo ao artista acarretará péssima reputação. É fundamental que fique claro que você é um viciado em Bach. Porém, se por alguma circunstância, o aspirante a blefador se sentir inseguro, o comentário certeiro é o misterioso “Ah... Bach!”. Contudo, se porventura a discussão diluir por territórios movediços como o jazz e, se algum desconfiado solicitar que aponte seu artista favorito, diga: Eddie Condon, em vinil. Todos ficarão boquiabertos e ninguém saberá o que dizer. É quando o blefador tem que mostrar o inato atrevimento. Acrescente: “Charlie Parker é o Beethoven do jazz!”. E, nessa hora, acautele-se da inveja! Última dica: os livros mencionados saíram pela Ediouro. Repare: foram referidos em inglês. Língua estrangeira é o canal.
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Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação
em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal
TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de
Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto.
Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais
de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
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