Você dizia que educação vem do berço. Nascemos numa estrada em que se proibia chamar alguém de “louco”. Todos são loucos, ou ninguém – você sentenciava. O mundo era grande e nós, muito pequenos. Mantínhamos com zelo a tábua rasa dos velhos mandamentos e o luzeiro dos antepassados. Naquela época, tanta gente mal sabia pôr o nome nos cadernos. Não jurávamos com a mão encima de livros, nem em nome de Deus, mas diante de nós. No Brasil em que fomos crescendo, pouca importância se dava às letras de forma. Votos de compromisso tinham como custódia a palavra empenhada. Valia mais que quaisquer escrituras. Era nosso jeito de sentir que íamos de cabeça erguida, sem o peso da honra manchada. Fôramos, brasileiros, pessoas direitas, num país ancho de belas promessas.
Palavras de honra preservavam a honra das palavras. Agora, mãe, a palavra de ordem é a mentira. Loucos, cidadãos mentem ao fisco, ao juiz, mentem entre si os pedestais da pátria. Mentem nas comissões parlamentares, nos altos tribunais, nos testemunhos e oitivas, nas delações premiadas, contratos de locação, no futebol, nas feiras-livres, vitrines, sambas-enredo e campanhas eleitorais. Vultosos negociantes, árbitros, ministros, marqueteiros, bispos, doleiros e estadistas obtêm da justiça indultos para faltar à verdade e o direito insolente de mentir.
Foi você que nos lia uma oração que sabíamos de cor: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. Nunca tais palavras foram tão exatas à realidade de hoje.Que loucura! Perdoa-me por exclamar: “Que loucos varridos, que loucos!”. O próprio desmentido é uma mentira, simulacro de sinceridade.
Há gente que mente que é mentira ou mente que a mentira é verdade. Nesta vida, um picadeiro de pinóquios. Um desfibramento do conceito de vergonha na cara se alastrou pelo país. Uma mentira, mãe, é superada pelo veneno de outras mentiras, falsidades, burlas, patranhas, lorotas à torto e direito, sofismas, enganos, imposturas, balelas no atacado e no varejo, lambanças, dissimulações e cascatas deslavadas. Fomos reduzidos a berços sem madeira, a fanfarra sem a graciosa baliza, a pacientes acidentais de todos os eventos, máscaras dum teatro em que nenhum personagem é cidadão.
O presidente, mãe, vestiu-se de fino trato, desfez-se das promessas que o levaram às alturas. A nossa casa foi reformada pra dizer aos outros que somos melhores do que fôramos. Seu escritor favorito desistiu da ficção, vendeu-se como cronista agônico de um jornal às sextas-feiras. Mãe, dói. Mas, francamente, que bom que você morreu. |