MASCANDO CHICLETES

Como tem faltado charme neste mundo! E mascar chicletes é um emblema da deselegância. Agrega-se com extraordinário vigor aos códigos de comportamento médio dos Estados Unidos, os quais imitamos. Nem imagino como soa aos ouvidos vitorianos, mas em português é “mas...car”, mascando essa junção malsonante de vogais e consoantes. Mas-car! Como se a nomenclatura fosse pouco, há os arremates audiovisuais inerentes a tal mania, que culmina com a imagem de um preservativo cor-de-rosa (às vezes desbotado verde) espatifando-se nos lábios: Ploft! Mascar, mascar e mascar a guloseima, eis a questão.

Em tabletes, bolas, rolinhos ou confetes, há muito e muito se masca na cara da terra. É ver os nativos da Bolívia e suas folhas de coca, os bugres mascando fumo, e o bode Chico Orelana, de Henfil, que mascava jornais pra sentir-se mais esperto. Nos bosques do México, os Maias mascavam a goma de uma árvore; prostitutas do Império Asteca tinham igual costume. Revivendo o ancestral hábito, também mascava “trozos de chicle” o ditador Antonio de Sant’Anna, exilado nos Estados Unidos, e amigo de Thomas Adams Jr. Este sim, fotógrafo de visão, grudou os americanos em descomunais Chiclets Adams. O grude chegou a tanto que, no novo “Godzilla”, espiões franceses distribuem chicletes entre si pra se confundir, em caricatura, com policiais de Nova Iorque.

Mato dentro ou na cidade, mascar chicletes é um pingue-pongue sem mesa, bolinha e jogador; é um vai e vem intermitente de mandíbulas, na solidão e monotonia do mascante. Essa imagem se consolida no primeiro chicle brasileiro: Ping-pong, assim sem as pernas. Dizem que não ofende os dentes porque a salivação neutraliza efeitos do açúcar. Pesquisadores revelam que mascar, isto sim, é melhor e não faz mal: melhora o metabolismo. Nas vacas, cabras e girafas, que mascam dia e noite, incrementa energia. A neurociência revelou que a mascação repetitiva do chicle influi positivamente na memória. Eu, leigo de mim, sugeriria que se incrementasse ao sabor da goma uma pitada de fosfato. Mas, pelo sim ou pelo não, a farmacologia tomou carona no hábito e até nos postos de gasolina já se vendem as velhas pastilhas Valda, agora em chicletes.

Um palpite freudiano explicaria a crescente mania de mascar como reflexo dos apressados tempos atuais, malsonhados, malqueridos e malucos. 𠇏ulana masca suas próprias tensões” – sentenciaria metafórica a terapeuta. Mas, com todo respeito, mascar o látex, natural ou sintético, é hábito que sinaliza tão profunda alienação, que a sentença não parece boa. Talvez seja mesmo efeito colateral de uma carência afetiva, quer da marginalizada rapariga asteca, nos tempos de antanho, quer do solitário bode na caatinga nordestina, da desconjuntada girafa na savana do Congo, ou do ditador cucaracho que, expulso da sua gente, ficou chupando o dedo ou – melhor dizendo – mascando chicletes. Nos dias de hoje, a apressada e vaidosa mãe sonega ao infante ou infanta as suas tetas, deixando-os tediosos, embaraçados, problemáticos. Então, matutando sobre nada, saem pela cidade mascando a goma, remédio lenitivo e recorrência ao desmame prematuro, remoendo o desamparo.

Masca-se e masca-se de boca aberta, fechada, masca-se envergando queixadas à esquerda, direita, em contorções frenéticas, masca-se falando mentolado, masca-se mamando e, glück, engolindo saliva; masca-se, mas, porém, contudo, todavia, masca-se. Masca-se chupando o tutti-frutti que já era, masca-se, masca-se... E, quase sempre, após compulsivas mascadas, ploft! Ploft, plets, na fila do cinema, na sala-de-bate-papo, no pavê de sobremesa, na sacolinha-surpresa. Ploft no cartório, no shopping, mastigando e remastigando, ploct; ploft no cabeleireiro... ploft-bush na bolsa de valores, deixando o trocinho grudado no tampão da mesa, esmagado no tapete, na cifra louca dos juros, no quadro-negro da escola... É ploct na igreja com sabor de framboesa, por dentro do capacete ruminando o babalu, masca-se. Masca-se e ploft com o braço destroncado, com a dor de cotovelo, descascando mandioca, na cozinha, no banheiro; ploft cor de morango misturado ao fast-food, com mostarda e catchup. Masca-se e ploft na diretora, na professora, no motorista de táxi, na ciência e na paciência. Em The Mamas & the Papas, na vovó e no vovô, ploct. Ploft, sem sujeito, nem verbo na danceteria, na disritmia, na pastelaria, com disenteria... Masca-se, masca-se e masca-se... e ploft-bush no mundo da lua. É um chiclete com banana, no quarto, no beijo, na cama. E tamos aí!

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Romildo Sant’Anna, livre-docente, é curador do Museu de Arte Primitivista ‘José Antônio da Silva’