Liberdade é azul, igualdade multicor e brasil, vermelho. Sonho de paz, ilusão de paraíso. Num velho mundo enquistado de fome e enegrecido pela peste, o sonho de fuga ancorava na antevisão dos profetas. E envelhecidos mapas medievais demarcavam um horto imaginário e fertilíssimo: “O'Brazil”. “Braçir”, ilha suprema, predestinada pelas quatro vertentes da sagrada cruz. “Braçile” dos castelos levitantes, das torres de cristal içando flâmulas vermelhas, habitado por vultos ungidos de pureza, à luz da lua. Inocentes, folgariam sem lascívia pelo clima adocicado, passeando em cachoeiras e amenas lonjuras. “O Brazil” que, em se plantando, tudo dá: flores em perfumes e cores nunca vistas, frutos sedutores aos olhos e bons de comer. “Hobrasill”, sementeiro das delícias, de arbustos do conhecimento e juventude, e onde – quem sabe? – o misericordioso elegeria seus eleitos, e anjos caídos renasceriam das trevas. Num velho continente eivado de penúrias, eia, sonhado, o firmamento de luz, na veleidade de argonautas singrando o sal atlântico! Ave, nos corações escuros da Europa, a chama alumiada de uma Vera Cruz!
Misteriosa calmaria os trouxe num lugar. Escrevera o cronista que a terra achada era tamanha que haveria nela vinte ou vinte e cinco léguas de costa e infindos arvoredos. Seu povo, de uma falta de culpa tal que a de Adão não seria maior. Andavam entre os homens moças bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas. E suas vergonhas, tão cerradinhas e limpas das cabeleiras que os lusitanos, de as olharem, nem se envergonhavam. Uns homens tinham à cabeça enfeites de penas amarelas, outros, de vermelhas, e outros de verdes. E um seguinte, também nu, se apresentava rubro em todo corpo. A tintura, tão vermelha, que água a não comia, nem a desfazia. Antes, mais viva estava. Muitos daquela gente vinham estar constantemente com os carpinteiros das embarcações. E o faziam mais por admirarem a ferramenta de ferro, já que cortavam sua madeira com pedras feitas como cunhas, metidas em paus entre talas bem atadas.
Encheram-se os olhos, escreveram-se cartas, fizeram-se os primeiros carregamentos. Entre tantos paus havia um da cor de brasa que recebeu por nome pau-brasil. Ibirapitanga, ibirapuitá, orabutã é como os homens nus o chamavam. Havia em toda orla, estupendos, avistados em flores amarelas, e que, do cerne de seu tronco extraíam o pigmento de um vermelho claro ao rubro quase-preto. Tornou-se o precioso pau-de-tinta berganhado por facões, espelhos e miçangas. Tora que, ao custo mercantil, originou um povo cujo apelido exprime seu ofício: brasileiro, o que trabalha com brasil.
No mistério que enlaça as conjeturas do acaso e um “Braçile” sonhado em velhos mapas, se acenderia sobre as demais cobiças o rubor tropical de uma madeira. No pano púrpura reluzia a majestade. Incitando encorajamento e calor, vermelha é cor vivaz da juventude, riqueza e paixão. Pigmento raro e resistente, designava hierarquia, a toga dos mais togados, o brilho dos mais ilustres. Dessa seiva se tingiria o suntuoso da nobreza, e se vestiriam clérigos supremos, senhores dos conclaves. À custa de estrondos de machados ecoando na floresta, devastaram-se os brasis. No encantamento dos tempos que passaram, “Hobrasill” planou em lendas, e se apagou nos mapas de ilusão. Definitivamente nascemos, brasílicos, no Brasil. |