Se existe um inseto vilipendioso que infesta os quatro cantos do país, esse é o corrupto. Escabroso e obscuro, ausente de escrúpulos, semeia a perversão dos hábitos, a depravação das leis, vampirizando a existência. No intrincado estamento dos achaques, é corrupto o lesa-pátria que extrai benefícios pessoais do cargo público, alimentando-se da miséria, da precariedade dos serviços e do atraso da nação. Para resguardar-se em nebulosa teia, é acobertador de operações nefastas de invertebrados semelhantes a si, alastrando seus ovos, contagiosamente.
Na história do Brasil, corrupção, chantagem e nepotismo (variantes dela) se instauram em Certidão de Batismo. Embora a esquadra de Cabral contivesse um escriba professo, a famosa carta de Pero Vaz de Caminha tinha uma intenção bem inscrita em seu último parágrafo. Fazendo tráfico de influência junto à autoridade, o cronista conclama o rei a conceder perdão ao genro, um tal de Jorge Osório, picareta reincidente, degredado na ilha de São Tomé. Eis o trecho: “E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500”.
Germinados das rebordas, há os corruptos-bagrinhos engolindo iscas em aquários dalguma repartição; há os tubarões vorazes, de sangue provincial e mundano, cometendo falcatruas e corrompendo histórias de vida. O ex-presidente, principesco das academias, recomendou a que esquecêramos dos ensaios sociológicos que houvera publicado. O atual, retirante ágrafo e severino, deixou claro que devêssemos olvidar do que havia dito. Atacado pelo mal de acefalia que extingue o bom-senso, logo declarou que nunca fora um militante de esquerda. E, assim, imaginando apagar-se da sombra que o trouxera ao poder, convida devassos ao desjejum, bajula-os como pedestais da pátria, premia-os com dinheiros e cargos ministeriais alegando pressupostos de governo. O ex-líder sindical, atarracado em barbas, nega sua voz em plenários, uma das quais lhe valeram a menção do artista – um rap gravado há apenas dez anos: “Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou: são trezentos picaretas com anel de doutor. Eles ficam ofendidos com a afirmação, que reflete, na verdade, o sentimento da nação. É lobby, é conchavo, é propina e jeton, variações do mesmo tema sem sair do tom. Brasília é uma ilha, eu falo porque sei, uma cidade que fabrica sua própria lei” (de Herbert Vianna, no disco “Vamo Batê Lata”, 1995). Hoje, mobiliza a tropa de choque, o arsenal de amigos de primeira e segunda-hora para abafar a imoralidade e despudor dos mesmos picaretas.
Que faremos, o que sentimos, como reagir a vilões escudados por adiposas barrigas e tantos privilégios? Ah, traidores da esperança, enxames rasando o horizonte da baixeza, mamíferos dos negócios e tramas em fios de escuridão, corruptos trapaceiros e infames, e que as leis não os atingem porque foram redigidas a fim de acobertá-los! Ah, balconistas da desonra, corretores abjetos do embuste e da fraude, artesãos da impostura, espoliadores da ética, desalmados que aniquilam as fibras da nação! Nós os esconjuramos como espólios da vergonha! E por engendrarem noites assim como esta, tão carentes de esplendor e poesia. Que nos escutem: vamo batê lata!
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