Ano de
2012 vem aí e com ele os pregoeiros do fim do mundo. Talvez a mais bela
revelação desse mito seja o Apocalipse de São João, um visionário fluxo
de consciência: “Virei-me para ver a voz que me falava. E vi sete
candelabros de ouro. No meio deles estava alguém: parecia o filho do
Homem, vestido de longa túnica. No peito, um cinto de ouro. Cabelos
brancos como lã e neve. Os olhos pareciam chama de fogo; os pés eram
como bronze no forno cor de brasa. A voz era como um estrondo de águas
torrenciais. Na mão direita tinha sete estrelas; de sua boca saía uma
espada afiada e de dois cortes. Seu rosto era como o sol brilhante do
meio-dia”.
Raramente um gênio da arte concebeu semelhante costura de imagens, com
tanto fulgor criativo. Na peleja entre o bem e o mal, profecia:
“apareceu no céu uma mulher vestida como o sol, tendo a lua debaixo dos
pés, e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e
gritava, entre as dores do parto, atormentada para dar à luz. Apareceu,
então, um grande dragão cor de fogo. Tinha sete cabeças e dez chifres.
Sobre as cabeças, sete diademas. Com a cauda varria a terça parte das
estrelas do céu, jogando-as sobre a terra. Colocou-se diante da mulher,
pronto para lhe devorar o filho que nasceria...”.
Instaura-se um painel alucinante. É quando o Criador teria gritado a
seus filhos: “Infames!”. O mundo se desfaz e, num teatro surrealista,
ouve-se a aflição das almas: “O céu e a terra fugiram e não deixaram
rastro. Vi então os mortos, grandes e pequenos, ao pé do trono. (...)
Então foram julgados de acordo com suas condutas em vida. O mar devolveu
os mortos que nele estavam. A morte e a morada dos mortos entregaram de
volta os seus mortos”. Enfim, os maus seriam jogados num lago de fogo.
Eis o juízo final.
O
“Apocalipse” é o luxo dos textos sagrados. Mas este cronista não resiste
e pede vênia por brusca conversão de estilos. Vejamos, em contraponto,
uns versos do paraibano Pompílio Diniz. Relata, na língua do povo,
desesperada confissão. É a mulher que conta ao marido seus deslizes
mundanos: “Ô Romeu, meu Romeuzim! Tu perdoa o erro meu? Já que o mundo
tá no fim, vô contá o que aconteceu: Tu sempre pensô que eu era uma muié
muito séria, mas foi engano, Romeu! Tu sabe como é os home, eles num
presta pra nada! Pois nunca respeita nome, nem aliança de casada. E a
gente, com sacrifício, vai rejeitando no início, mas a insistência é
danada! Tu te lembra do Justino? Pois ele foi o primeiro. Depois dele
o Belarmino, Honorato Miçangueiro, Chico Brabo, Zé do Ganso, Severino,
véio Amanso e seu Mané Sapatero!”.
No
infinito dos céus ou na poeira do chão, eis o mundão velho de guerra. O
sol, glorioso, pulsará a luz de sempre. Virão novos agostos e seus
azares, cavalgados por humanos ruidosos a derramarem o balde das
imprevidências, e a zanzarem entre planuras e crateras. Num ermo do
outro mundo, Deus se consola paciencioso: “Crianças são assim mesmo. Hão
de crescer e ter juízo!”. E ri pensativo, na eterna solidão de ser
único. |
Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. |