Bravo, 2 de janeiro! Os
que leem estão tranquilos com a panaceia dos dizeres. Com aparente
feiura e semblante de um peeling malfeito, certas palavras parecem
caçoos. É a reforma ortográfica! Em assembleia de países lusófonos e
coautoria de estoicos linguistas, taí o português unificado! Agora é
fácil, nem se para para pensar e do Piauí a Macau é tudo igual! Não mais
tremam, zagueiros e atacantes, os “k”, “w” e “y” de seus nomes estão
enfim dentro da lei! Que autoestima! Na cancha da gramatiquice, já não
somos antissociais perante os coirmãos de idioma!
Diáconos das letras
decretaram, e o hoje será lembrado como o dia da Revolução dos Pinguins,
pois nos vestimos de fraque e abolimos pinguinhos! E em preito à data,
peço licença ao artista paraibano Jessier Quirino e transcrevo seu poema
“O dizido das horas no sertão” (Bandeira Nordestina, 2006).
Mediante os versos
poderemos meditar sobre o grau de abrangência das novas regras
ortográficas e como as mesmas se articulam com a sintaxe, morfologia,
semântica, vocabulário e prosódia das regiões e países. E, no vácuo
entre o poder regulatório da língua oficial e a língua do povo,
atinaremos sobre em que sentido um caboverdense (agora sem hífen),
angolano ou brasileiro passarão a escrever num só linguajar e em una
comunidade.
“Para o sertanejo
antigo, o ponterá do relojo, de hora em hora a passá, da escurescença da
noite à sol-nascença do dia, é dizido ao jeito deles no mais puro
boquejá. Se diz inté que os bicho – o galo, o nambu, o jumento – sabe as
hora anunciá. Uma hora da manhã, ‘primero canto do galo’. Quano chega
duas hora, ‘segundo galo a cantá’. Às treis se diz ‘madrugada’, às
quatro, ‘madrugadinha’, ou ‘o galo a miudá’. Às cinco é o ‘piá dos
pinto’, ou mesmo o ‘quebrá da barra’. Quano é chegada as seis hora se
diz ‘o sol já de fora’, cor de crush foi-se embora e tome o dia a calorá.
Sete hora da manhã é
uma ‘braça de sol’. O ‘sol alto’ é oito em ponto, o fejão tá quaje
pronto e já borbulha o manguzá. Seno verão ou se chove, pontero bateu as
nove, é hora de almoçá. Às deiz é ‘almoço-tarde’ pra quem vem do labutá;
se o burro dá onze hora diz ‘quaje meio-dia em ponto’. Às doze é ‘sol a
pino’, ou o ‘pino do meio-dia’, o suó desce de pia, sertão quente de
torá.
Daí pra frente o dizido,
ao invés de treze hora, se diz o ‘pendê do sol’. ‘Viração da tarde’ é
duas, quando é treis é ‘tarde-cedo’, às quatro é ‘de tardezinha’, hora
branda sem calô; o sol perde a cô de zinco quano vai chegano as cinco,
‘roda do sol a se pô’. Às seis é o ‘po-do-sol’ ou ‘hora da ave-maria’,
dezenove ou sete hora se diz que é ‘pelos cafuz’. Às oito, ‘boca da
noite’, lá pras nove é ‘noite-tarde’, às deiz é ‘hora-velha’ ou a ‘hora
da amizade’. É quano se ouve bem alto os escuro do lugá! É uma hora
perigosa, fantasmenta e assustosa, pro cabra se estupefá! Às onze é o
‘frião da noite’, é sertão véio a gelá, meia noite é ‘meia noite’ e
acabô-se o versejá. Mais um dia foi-se embora, e assim é o dizido das
hora nesse véio linguajá.”.
Eia, janeiro de 2009!
Na Revolução dos Pinguins, um deus luso fez o verbo! E a conta? |