Não sou rato de biblioteca, mas
digo-lhe à boca pequena: aprecio os dicionários, pais dos inteligentes.
Acaba de sair o “Pai dos Burros – Dicionário de lugares-comuns e
frases-feitas” (2009, Arquipélago Editorial), de Humberto Werneck. À
guisa de prefácio, o laureado autor estabelece um diálogo franco, mas
enviesado, com o leitor. Expõe que muita gente coleciona borboletas para
espetá-las numa placa. Ele, unindo o útil ao agradável, reuniu 4500
pérolas surradas da última flor do Lácio inculta e bela. Junta as peças
dum quebra-cabeça. E assim, além de jornalista e escritor de estilo
apurado, revela-se a bola da vez e tenta a sorte noutra fatia do
mercado: a de dicionarista.
A bem da verdade, segundo Werneck, seu
livro não visa a coibir abusos daqueles que, com as exceções de praxe,
usam termos surrados como ornamentos de cultura e esnobação. Sem alçar
voos mais altos, o “Pai dos Burros” não pretende ser um tapa de pelica
ou puxão de orelhas naqueles, companheiros de infortúnio, redatores e
discursistas afoitos. Pensando bem, nem os deixa em maus lençóis. Antes,
e realizando na medida certa a lição de casa, os verbetes do escritor
induzem a pensar sobre a quanto andamos na questão espinhosa do dizer,
useiros e vezeiros da lei do menor esforço e apropriação de frases
alheias e clichês.
Inda que o autor decline de afirmar,
para bom entendedor meia palavra basta. Preenchendo a lacuna que
faltava, é certo que seu livro põe em xeque e faz tremer nas bases os
cronistas e escrivinhadores que usam e abusam de chavões e estereótipos.
E nesse rol se incluiriam também, com o devido respeito, chefes de
repartições e fiéis escudeiros, animadores de palanques, letristas de
pagode, ghost-writers presidenciais, nobres edis (quando conseguem
discursar), eminentes jurisconsultos e autores de petições, eloquentes
tribunos, paraninfos, patronos de turmas e oradores em pronunciamentos
de inaugurações e em atos fúnebres.
Todos sabem que as armadilhas da
linguagem são uma faca de dois gumes. Nesse sentido, o livro de Humberto
Werneck pega no contrapé os redatores e falantes que fazem do
lugar-comum uma cortina de fumaça em meio à qual se escondem ou,
aproveitando-se da ignorância, tentam se projetar. Gesto impensado,
oportunismo banal ou ingênua pretensão? Seria chover no molhado afirmar
que, a par desse livro, não se esgotam as possibilidades de cairmos na
vala comum dos repetidores de formas banais.
O escritor mineiro, como sempre, faz
uma das suas e, em terreno movediço, come quieto. Seu “Pai dos Burros”
supera as expectativas. Induz, dum lado, a reflexão; doutro, o pé no
freio. Sem dizer, mas dizendo, traz em seu bojo a exortação à liberdade
de expressão com responsabilidade. Passa ao largo das gramatiquices,
suas múltiplas facetas e vetustas leis. De certo modo imperdível, e nas
devidas proporções, não custa o olho da cara. Por essas e outras, é
pegar ou largar. Se não, é continuar alardeando os argumentos repisados
nas frases-feitas deste artigo. Sem a menor dúvida e com lágrimas
sentidas. E aí, adiós baby! Com certeza. |