Junho é o mês do Brasil festeiro, dançante, sentinte, colorido e sonhador. Sendo mentira como a frieza dos números do calendário, e que nos empurram às aritméticas do ter, é tudo verdade nas conjugações do ser e estar em espírito. Junho é quando mais cantamos e juntamos as vozes, em unção comovente e societária, e levitamos como papel de seda em fuga às delícias do sublime. Esquecendo-nos da implacável finitude da existência, comungamos fraternalmente a idéia de infinito. E contemplamos o céu num viajar luminoso com os olhos embaçados, como na marchinha de Alberto Ribeiro: “E um balão vai subindo, vem caindo a garoa, / o céu é tão lindo e a noite é tão boa. / São João, São João, / acende a fogueira no meu coração!”.
Junho, talvez mais que os outros meses, é tempo dos artistas espontâneos, naïfs, aqueles que derramam seus versos, dançam, pintam e bordam com atávica euforia. Exprimem o desprevenido humano no recato imprevidente dos indígenas, no merencório banzo afro-brasileiro, na emoção agridoce do imigrante desterrado, a entrecruzar no mesmo solo a Ibéria e os novos e velhos mundos. Nesses artistas, a expressão “do povo” e “para o povo”, as querências de aldeia ou duma estância a resumir os sentimentos do mundo, a cultura destilada em gestos, texturas e vivacidades, e os enlaces que revelam o pertencimento à terra, sua gente e seus instintos.
Junho é o mês em que mais cintilam a identidade mestiça e nosso sincretismo etnocultural. Valentes, “ma non troppo”, quiséramos brasileiramente um mês inacabável, e que, de mansinho, se alargasse nos demais dias do ano para espantar os temores. E assim, em mágicos e emotivos desejos, realizar-se-ia cantante a evocação singela de Assis Valente: “Cai, cai, balão, / aqui na minha mão. / Não vô lá, não vô lá, não vô lá, / tenho medo de apanhá”. |
Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. |