Uma ação ligada às agruras da modernidade é, ritualmente, esvaziar a caixa postal do computador. Tão grande a avalanche de mensagens eletrônicas que, se bobear, trava a máquina, enlouquece o provedor, atrasa o trabalho e o camarada fica horas na lengalenga de baixar comunicados invasivos e quase sempre inúteis. Há softwares que impedem recebê-los. Porém instalá-los nos deixariam mais cismados. Não têm senso de escolha. Quem sabe barrariam a chegada daquela carta que se espera a vida inteira, com endereço certo, beatitudes e dádivas?
Há formulários on-line, convites ao blog de fulano de tal, gracejos, piadas infames, calúnias de bastidores e anúncios de tudo, vindos de qualquer canto e em muitas línguas, pois não enxergam o destinatário. Vão das igrejas eletrônicas aos sites de pornografia; das lojas virtuais aos comitês dos políticos. A eternidade enfartaria só em enumerá-los. Entre os e-mails, há aqueles manjados de alguém dizendo que nos ama, os do fisco informando que pisamos na bola e os dos bancos pedindo para clicar no ícone. É vírus na certa!
Na segundona brava, e como tantos pensam a mesma coisa, vêm pela rede, em triplicatas, mensagens edificantes com figuras animadas e musiqueta de fundo: “Quando caminho, vou me entretendo com as cores das plantas viçosas. E ao ver galhos e folhas espalhados pelas chuvas, não deixo de considerar o instinto da natureza. Incrível que, em meio a aparentes oscilações e desarranjos, tudo se equilibra e busca a satisfação de nossas necessidades. Ao observar a natureza, sentimos a inexorável lei da harmonização. Augúrios de boa semana!”.
É um monturo de filmecos de auto-ajuda, felicitações, enigmas, profecias e dicas de bem-viver, como se os escribas se descobrissem no tino futurologista do velho Omar Cardoso, ou realizassem o sonho de revivê-lo, agora na web, por correio eletrônico. Repare, os contumazes missivistas são pessoas de meia-idade, decerto saudosas de ouvir o astrólogo pelas ondas do rádio: “Todos os dias, sob todos os pontos de vista, vou cada vez melhor. Bom dia, mas bom dia mesmo!”.
Basta eleger um arquivo, apertar com a seta do mouse os contatos compartilhados e, num vapt-vupt, todos recebem o mesmo recado com a pressa dum corisco. Há aqueles em que o clipe de anexos jamais os prenderiam se não fossem, em peso e medida, de substância digital. São os que entopem o fluxo da informática e paralisam chips. Incluem melodias sonhadoras, textos em movimento e fotos de vales tranqüilos, colinas enevoadas, tudo com a atmosfera imensa do imenso da alma. Mesmo enfeixando a melhor das intenções, são o diabo!
Cartas postadas por paladinos dos monitores e teclados! Alarmistas, alertam contra perigos, lembram efemérides e, sobretudo, são arautos do magnânimo. Espalhafatosos, frustram pelo impessoal e o efeito-multidão que nos fazem ninguéns. Melhor um telefonema, uma visitinha vez em quando ou um singelo bilhete, com nossa graça sobrescrita no envelope e um cachorro espantando o carteiro. E seríamos felizes porque, apesar de tudo, pulsamos com o coração e (se não me engano) inda existimos. |