Essas crônicas no Bom Dia saem simultaneamente em Lisboa, no portal www.triplov.org (ciber-arte, ciber-idéias) de que participam intelectuais portugueses, brasileiros, africanos e, às vezes, de língua castelhana. A repercussão dos textos entre as nações lusófonas, e em centros de estudos do português, mormente nos EUA, França e China, confirma a inteligibilidade dos mesmos, inda que brasileiros se expressem em “brasileiro”, portugueses em português, angolanos em “angolano”, etc., ou seja, na peculiaridade de cada país.
O portal, tendo à frente a escritora Maria Estela Guedes, promove a discussão sobre a reforma ortográfica que breve entra em vigor. O governo brasileiro anuncia que, a partir de 2009, seus livros didáticos serão impressos no novo padrão. Dia desses observei a Maria Estela que, diante da dificuldade em se escrever corretamente (o que é notório), muitos terão que desaprender o pouco que sabem. Ela foi sucinta em ironia: “Não temaes. Ja escrevemos muyto peior. Beyjos. Estella”.
O dramaturgo português Cunha de Leiradella questiona: “ Se o acordo era para unificar e não unifica, então para quê mexer? Dizem os seus defensores que a mudança será pequena, mexe apenas com cerca de 600 palavras, só 0,54545454545454545454545454545455% do total das 110.000 da língua. Mas, e aqui cabe nova pergunta, se a mudança é tão pequena, para quê fazê-la então? Para quê obrigar a publicação de novos dicionários, livros didáticos, fazer novo tudo que é impresso? Quem vai lucrar com isso? A língua? Tadinha dela!”.
O poeta e ensaísta Ruy Ventura afirma que a reforma é um desperdício de energias. “Ao contrário do que defendem os advogados deste acordo político, o que divide as diversas variantes da nossa língua materna não é, nem nunca foi, a ortografia. Nunca a grafia diferenciada impediu o entendimento dos escritos brasileiros em Portugal ou dos textos portugueses no Brasil ou noutras partes. Temo-nos entendido até agora – e assim continuaríamos, mesmo que não nos impusessem este processo de simplificação (?) da escrita”.
“Normalizar a idiomaticidade a partir da forma avulsa é como tentar endireitar a sombra da vara... ou, como titulava um autor alemão, escrever na água”. E pergunta o filólogo Carlos Acabado: “porque em ‘inglês’ se escreve ‘colour’ e em ‘americano’, ‘color’, há crise no universo lingüístico anglo-saxônico?”.
“Minha pátria é minha língua”, escreveu Fernando Pessoa. É ela, a língua em seu estágio antropológico, que nos interliga em cada nação. Ademais, sob o influxo da oralidade, que diferença faz a um angolano, moçambicano, cabo-verdiano, à população de Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, ou ao brasileiro comum se é certo, de agora em diante, escrevermos “de facto” ou “de fato”?
Essa unificação é retrocesso colonial, antidemocrático e desprezo à lógica lingüística. Uniformiza “despachos provinciais” e acordos políticos. E daí? Seria diferente se fossem redigidos nas normas de cada país? Mas, por lei (e esse é o problema!), a reforma vem aí. Para o agrado das altas patentes, não para o povo, sua literatura e nossa bela língua.
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