É lugar-comum dizer-se que Marshall McLuhan necessitou de um livro para anunciar que os livros tinham os dias contados. O autor de “A Galáxia de Gutenberg” previu a “aldeia global”, uma sociedade em rede em que se dissipariam as distâncias de tempo e espaço. Instantâneos fios eletrônicos nos entrelaçariam e tornar-nos-íamos cativos de um raciocínio dominante. Pensaríamos e sentiríamos em bloco. Sentenciou que “O Meio é a Mensagem”. Anteviu uma nova formatação do mundo, retribalizado e usurpado da identidade e mitologia peculiar a cada tribo. Sendo “apocalípticos” estaríamos “integrados” – escreveria mais tarde Umberto Eco. E a comunicação de massa seria o terrificante instrumento de controle da mente para o domínio político.
As novas tecnologias, ao mesmo tempo benfazejas e catastróficas, deixaram nódoas no Terceiro Mundo. Quando li McLuhan por primeira vez fiquei em pânico. Era adolescente, trabalhava numa livraria e “O Clichê e o Arquétipo” era moda entre refinados leitores. Assinante da “Coleção Saraiva”, esperava alegremente o velhinho todo fim de mês. Numa valise, um clássico da literatura. Receber o livro era a dádiva de uma carta amiga e inesperada. Uma delícia cheirá-lo novinho, admirar acariciantemente a ilustração da capa (não me lembro se de Nico Rosso) e mergulhar em diferentes tempos, paixões e costumes. Assim, viajei na barca de Stevenson, Machado de Assis, Poe, Dumas, Dostoievski e pisei nas praias Iracema sem tocá-las, mas podendo senti-las.
Além da “Coleção Jaboti”, de que também era assinante, havia as acessíveis Edições de Ouro. Inda lhes preservo umas jóias: “Os Sertões”, tragédias de Shakespeare, a “Divina Comédia”, “Ilíada” e “Odisséia” em verso e prosa e um esplêndido “Quixote” em 5 tomos, com 375 lâminas de Gustave Doré, na versão de Almir de Andrade e Milton Amado, a que mais aprecio em português. Em 2005, quando a primeira parte da “bíblia” de Cervantes fazia 400 anos, quis dá-la a um amigo. Não a encontrei traduzida, mesmo tendo procurado em livreiros de renome.
As bibliotecas transformaram-se em museus de antiguidades e os sebos, reduto deliciante dos que bebem livros. As livrarias, na maior parte, são butiques de best-sellers frugais, cultura ornamental e livretos de auto-ajuda. Há autores que, parodiando a banalização da “aldeia global”, lançam títulos grosseiros como “Como se dar bem na vida mesmo sendo um bosta”. Esses vendem, são comentados por colunistas e sinalizam os tempos que voam.
Uma redenção insiste em enfrentar a profecia de McLuhan para o Brasil. Muitos bons livros mudaram de endereço. Estão em lojas de conveniências, cafeterias e postos de gasolina. Além de editoras como a Martin Claret, a L&PM de Porto Alegre propaga um rico acervo, em textos integrais, baratos e bonitos. Lá estão os antigos e modernos, fortunas de saberes da ética à física quântica, da ficção em prosa à realidade em verso. Lá está o “cavaleiro da triste figura” simbolicamente esgrimindo contra moinhos de ventos. Tais empreendimentos dão-nos o “pão para o espírito”, como disse Castro Alves. É prova de que o grandioso é eterno – o livro –, apesar dos fios eletrônicos que modernizam a vida, e às vezes enforcam. |