Há 7 dias morreu ACM. Muitos em lembrança a Toninho Malvadeza lamentam a extinção de uma era na política. Engano. Permanecem seus tendões colaterais e o caudal hereditário que desenha o perfil das instituições brasileiras. Demoram-se os Sarney, Collor Mello e sua cria Renan, Garibaldi Alves, Lobão, Barbalho, todos senhores da terra e detentores de concessões de ondas de rádio e televisão desde as quais carreiam a publicidade do Estado e o poder de si mesmos e afilhados no sistema disfarçado do “prendo e arrebento”. Ao povo, abstração da pobreza, cabe o dever de elegê-los, com o singelo orgulho de ser irrisório, porém, num instante fugaz e concedido, glorioso e parcial.
Dizem que findou uma sigla do coronelismo baiano e onde o Brasil começou. Não, trata-se apenas de um retalho cujo avesso é o cangaço de outrora e o crime organizado nos mocós de hoje. Desde as capitanias hereditárias, com a delegação de latifúndios a particulares e formando oligarquias, e até meados do século 19, com a criação da Guarda Nacional composta pelos mesmos oligarcas, o país patina no desvario e arrogância dos donatários da terra. Em contrapartida, alude-se à reforma agrária como conceito adúltero e pecaminoso, e que minaria os alicerces da pátria.
A instituição da Guarda, como uma peça de realismo fantástico, concedia títulos nobiliárquicos à nobreza agrária e patentes civis de coronéis. Os desatentos têm-nos como pândegas caricaturas em telenovelas. Mas não há município próximo ou remoto em que falte um logradouro que reverencie o coronel fulano de tal e que, desde sempre, é marca territorial do patriarcalismo, do sistema autoritário e a impunidade, e tinge em tons cinzentos a história do Brasil. São eles que levam adiante a política da mão no ombro, os cargos de confiança, o aleitamento paterno aos correligionários, a cooptação por benesses, falseamento do voto, os rábulas e chicaneiros do judiciário, e o nepotismo que consolidam currais em que pasteja o rebanho alienado e mendigo chamado povo.
Antônio Carlos, branco senhor da Bahia, é vergalhão das instituições por “ séculos e séculos, amém”, e em recíproco interesse. Simboliza a coexistência do domínio privado sobre a ordem e progresso oficiais que tremulam em bandeiras. Foi o arauto que, em tempos recentes, esgrimia dossiês apavorando opositores. Desfez da democracia pela incúria do voto de cabresto e pelo sufrágio eletrônico nos painéis cívicos do Congresso. Tudo com o costado messiânico dos salvadores da pátria em sua sesmaria e na qual lhe beijavam a mão e rezavam a seu retrato. Sempre com a truculência de ancestrais déspotas que outorgaram a si poder de justiça e fomentaram as regras de mando continuadas por ele e o fizeram santo guerreiro e dragão da maldade.
Seria desconcertante escarnecer de alguém cujas exéquias são celebradas por seus órfãos nos ritos de corpo presente, e em altares e encruzilhadas. Mas o Coronel vive, hoje e em gerações vindouras, nas entranhas da república. É ali que se enraízam as jurisprudências e o culto ao atraso de que se nutrem seus asseclas. E lhe dizem um nostálgico até logo.
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