Rezam os manuais de conduta que a essência do jornalismo é a responsabilidade moral pelas informações que transmite. Peneirando interesses e ouvindo-se todas as partes, deve referir ao fato com impessoalidade e isenção. Orientei alguns programas de mestrado em jornalismo. Num deles, denominado sugestivamente “Palanque de Papel”, o jornalista Luís Fernando Laranjeira analisou as ações de um jornal do Interior para a eleição de um prefeito, dono do próprio jornal. Tais aberrações, tão freqüentes nos grotões próximos e longínquos, se agigantam hoje em dia no panorama internacional.
Poderosos órgãos de imprensa jogam no lixo o código de ética e compromisso com a verdade. Na guerra ao Iraque, agências de notícias, corporações televisivas e alguns jornais só deram a conhecer, por meios explícitos e simbólicos, o que interessava à maior potência do mundo. As informações, veiculadas para autenticar certos fins políticos e econômicos, fizeram da invasão ao país uma peça de ficção, a desrealização dos acontecimentos.
O sociólogo morto recentemente Jean Baudrillard pensando na persuasão controladora do mega-jornalismo, escreve que, nos dias atuais “não pensamos no virtual,; o virtual é que nos pensa”. O “deve ser”, construído por certo jornalismo, impede a visão crítica da realidade ou a imaginação que se tem dela. Alegorias dessa corrupção dos fatos são os filmes-denúncia “Wag the Dog” (“Mera Coincidência”) de Barry Levinson e “Mad City” (“O Quarto Poder”) de Costa Gavras.
Interessante o artigo “El mundo CNN”, de Doris Vizcarrondo, publicado na revista “Comunicação, Mídia e Consumo”, da ESPM, São Paulo. Mostra que, de acordo com pesquisa da própria CNN, o espectador norte-americano é desinformado. Para a maioria, as próximas ameaças “incivilizadas” – Irã e Coréia do Norte – situam-se na Austrália. Assim, pavimentada a ignorância, faz-se a manipulação política da informação.
Tendo como pressuposto a tradição nacionalista da história em quadrinhos e do cinema para a construção de heróis, super-heróis, realidades virtuais e estereótipos do que é bom, os EUA disseminam interna e externamente a ideologia higienista de “limpeza do mundo”. Fora do parâmetro anglo-saxão, os não-aliados são bárbaros. Mais ou menos isto proclamava o truculento W. Bush, no auge da guerra ao Iraque.
Constata Vizcarrondo que o discurso estatal-jornalístico estadunidense, antes exemplo de defesa da verdade, hoje ignora o adventício e alheio. Quem não é o singular “nós” são os “outros”, ecoam insistentemente gigantes setores da mídia. A interação diária com o falseamento da notícia, fragmentações do acontecido e o manejo das imagens para a escamoteação do real amoldam as maneiras de pensar e reagir e instrumentalizam interpretações e visões de mundo.
Isto, absolutamente assustador, legitima a violência, a tirania e desfaçatez reinante nos círculos do poder e que tornam decrépitas a ética, moralidade, bem-estar e convivência. Como, cada vez mais, ou em conseqüência disto, há tão poucas instituições em que a sociedade se defenda, o jornalismo venal implica um péssimo futuro. |