ROMILDO SANT'ANNA
J. Hawilla

Há fervorosa discussão sobre a inserção dos mais novos no trabalho. Sem a necessária contextualização, argumentam “ infância perdida” e que a lida em tenra idade priva o jovem da educação formal. Talvez. Mas, em contraponto, propicia-lhe o mais instigante meio de percepção: a escola da vida. Quando brincava de “ que cê quer ser quando crescer?”, o menino respondia: jornalista. Uns sonhavam ser médicos, outros, arquitetos, bombeiros... “ Que que é isso, Zé?”. E ele entornava enigmas: “É uma jóia e tanto, podes ter certeza!”.

Falando tais coisas pra Deus e todo mundo, num tempo em que havia a “ Carteira de Menor”, J. Hawilla trabalhou desde jovem como repórter. Foi sendo um sonhador da Boa Vista expandindo horizontes nas ondas do rádio. Homem formado e criador duma cadeia de jornal e televisão, presenciou seu pai, avançado em idade, na persistente labuta até os últimos dias. Decerto, não por necessidade financeira, mas como de lição de vida, devotamento ao labor e consciência honrosa da extensão de si no palco da existência.

Com o status de extraordinário empresário em comunicações no Brasil, Hawilla inda cultiva o jeito interiorano de lidar com as relações humanas, laços de proximidade... o campo de várzea... E se compraz do radinho de pilha. Com o refinamento dos genuinamente elegantes, é a discrição em pessoa. Calmo e com vontade, segundo o sacramento e conduta dos que enfrentaram durezas, sai em socorro aos amigos, lembra-os afetuosamente pelos nomes, pergunta-lhes dos parentes e conhecidos. E, remoçando a fortuna do passado, olha a todos com recato, discreta e humildemente de baixo pra cima. Sente o contentamento orgânico de fazer bonito em sua terra, não por exibicionismo estridente, mas como singelo preito à cidade em que nasceu.

Falar do jornal “Bom Dia” e “TV Tem” é, ao mesmo tempo, referir ao jornalista e advogado empreendedor. Especialistas em comunicação social vêem na globalização um fator de amordaçamento das identidades regionais, núcleos comunais que fazem de um país uma nação. Em tempos de “ Sociedade em Rede”, seu jornalismo impresso e televisivo sinaliza redenção. Não pelo fato de existir como corporação midiática, mas como instrumento de intersecção dos elos de vizinhança e sedimento regional, idiossincrasia, familiaridade, partilha e sotaque. Nos lugareiros reside a essência da globalidade. E, como assinalou Milton Santos em “A Natureza do Espaço”, é no local que o global se efetiva; é ali que se sente e se pensa em comum; é nesse espaço que se vende e se tem concretamente. Isto que ora se alastra pelo interior paulista resume preocupação intransigente em sociedades avançadas do mundo.

Porém, como se não bastasse, e em recantos densos e palpitantes, as redes de comunicação encetadas por J. Hawilla instauram pólos micro-regionais com sedes e equipes próprias, especializando a informação, a reformulação sincrética das idéias, o perfil factual regionalizado, enfim a voz do interior como potência política, tecnológica e científica, cultural e econômica. Conduz o ritual interativo e interpenetrante da informação como ponte em que transitam a sensibilidade e consciência de ser.

Não há muito o interior paulista era colônia da informação, ideologia e cultura estrangeira. Após, servil destinatário da perspectiva dominante das metrópoles a Sudeste do país. Velhas e duras estradas de ferro eram eitos de saída mercantil e humana. Hoje, veloz, seu jornalismo é interconexão com o nacional e global e, simultaneamente, permanência dos costumes. Sua notícia e dicção afetiva voam em oposto sentido. Cada vez mais o alumbramento dum novo caipira se faz visível, e rotativas e câmeras televisivas colorindo a aurora se agregam ao porvir anunciando “ bom dia!’.

Em pouco tempo e cálida crença, artífice do novo, liberdade de opinião, profissionalismo e coragem empreendedora, um jornalismo diferenciado expande-se com vigor. Recolhe a limpidez das velhas nascentes, a despeito da hegemonia litorânea, conceitos consolidados e potentes capitais. É histórica virada: valorização da identidade de um país agrário, cultural, política e economicamente. Tudo marcado por lastro existencial e estilo de vida: a competência e trabalho de um Zé de vila que sonhou ser jornalista. E imprime em sua cidade o delicado orgulho de ser seu conterrâneo (J. Hawilla. São José do Rio Preto, 1944).

Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.