A cena mais comovente da Copa se deu após a partida e à margem dos estádios. As câmeras a viram por acaso. Zagallo, cabelos brancos, arquejado, ia entre os adversários tentando trocar uma camisa. “É do Kaká, é do Kaká!”, explicava com humildade. Um craque novato e soberbo passou sem olhá-lo. “ Que velho é esse?”, desdenhou. Não podia imaginar que cruzava com a mitologia em pessoa, o maior dos vencedores nos torneios mundiais: campeão e bicampeão como atleta, treinador tricampeão, mentor técnico tetracampeão.
O mundo é uma bola que gira em direção ao Leste, à resplandecência do nascente. Ignora jogadores passageiros que a disputam. Independente do respiro deles, ela ruma rigorosa ao Oriente, à dimensão certeira do infinito. Zagallo silencioso e cheio de glórias encarnou na Copa do Mundo a força misteriosa dos antigos mitos, o acúmulo heróico das experiências, a façanha honrosa de desbravar o Oeste onde o sol se extingue e nos compromete com os dias que virão.
Ele é a vida no ocaso de seu jogo, o arcano calejado dos duelos, vibração harmônica dos hinos. É luz crepuscular e feixe dos presságios, o ser cujo suspiro tem o odor de todas as camisas. É o senhor dos horizontes. Um velho, campeão. |
Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. |