Walter do Valle escreveu no BOM DIA queo poeta e jornalista Roberto, seu irmão, é demissionário do “Correio Popular” de Campinas, após 12 anos escrevendo crônicas diárias. Dispensou boa remuneração, descrente da validade de seus artigos sobre os descaminhos políticos e administrativos em nosso país. Decerto se desencantou da tão romanticamente idealizada “ sabedoria do povo”, mouco ao noticiário e teor opinativo da imprensa. Que se danem os jornalistas! – desdenham os arraiais de Brasília. A mentira sustentada e repetida transforma-se em simulacro de verdade. “ Opinião pública”, esboço tangível da psicologia de massa em que avulta o ponto de vista da miséria, não a material que tremula no farrapo, na esqualidez de corpos sedentos e pedintes, mas na pobreza de percepção crítica sedimentada nos maus exemplos das classes dirigentes, no tíbio sistema educacional, na escandalosa distribuição de renda, declive ético das instituições e desfaçatez contumaz dos manda-chuvas.
Ziguezagueando entre pleitos eleitorais cá estamos patinando na mesmíssima estrada. Versos de Caetano Veloso ressoam repetidamente: “será que nunca faremos senão confirmar / a incompetência da América católica, / que sempre precisará de ridículos tiranos?”. Fernando Collor, “caçador de marajás”, foi protagonista histriônico do atrevimento e prepotência. Ridículo tirano! O velho Ademar de Barros, simplório e obtuso, ficou conhecido como “o que rouba mas faz”. Parodiam-no até hoje ridículos, tacanhos tiranos! Jânio Quadros, usina do anacronismo vernáculo, comediante farsesco do terceiro mundo, foi seguidamente eleito para o registro histórico da misteriosa renúncia. Ridículo, bufo tirano! Maluf, caricatura insultante da “ Zorra Total”, falou dia desses em propaganda política que os túneis que construíra em São Paulo, um deles homenageando a veneranda mãe, custaram pouco à população, pois que não apresentaram defeitos. Evidências em todas as mídias demonstram-nos como poços de trambiques, antros de fraudes, e os aproximam em preços ao Eurotúnel, enorme via subaquática no Canal da Mancha e que liga a França ao Reino Unido. Ridículo, inominável tirano!
No vai e vem das incúrias, João Figueiredo, o presidente-ditador que preferia cheiro de eqüinos ao contato humano, proclamando a liberdade em seu governo declarou que “ quem for contra a democracia eu prendo e arrebento!”. Ridículo, bufo tirano! Sarney em faixa presidencial é estátua viva do coronelismo escravocrata ao Nordeste; Itamar Franco, topete eriçado do atraso ao Sudeste, foi expurgado por incontinência verbal a seus iguais e – pasmem! – contemplado embaixador do Brasil na imperiosa Roma. Ridículos, cúmplices e cumpliciáveis tiranos!
A miséria é prato-feito na cadeia alimentar do selvagem capitalismo. FHC, sociólogo que pediu que esquecêssemos do que escrevera, entregou o país à ganância predatória estrangeira, negociou com vil moeda o direito à reeleição fazendo-se príncipe triunfante dos escandalosos. Lula, Sancho Pança espevitado, ágrafo e parvo, sinaliza que esqueçamos do que gritou em comícios. Reduziu proclamas libertárias a estrelas em camisetas. Pressionado, nega conhecer tramóias engendradas sob suas barbas. Antes, venal, enaltece-as. Demonstra que o banquete narcisista suplanta o ideal transformador de seu país e desfila em carruagem de abóbora com a rainha da Inglaterra. Beneficiou-se da metástase tumorosa e corrupta enquistada na nação, com embustes publicitários que avassalam e narcotizam, com a impunidade e impunibilidade de seus equiparados, provando a lógica de que a ambição anestesia a sensibilidade, e que os meios com que se conquista o trono coadunam com seus fins. Preside sob holofotes fincados nos topos dos cassinos financeiros, reprisando a tragicomédia do operário domesticado. Revive a lenda de que “ camponês nobre não conhece seus parentes” – como reza o provérbio italiano, e que “o melhor capataz é o ex-escravo”, como se canta em cordéis do Brasil.
Ridículos , zurros, pícaros tiranos revezando-se nas noites risonhas do poder! Confirmam uma alegoria que ouvi dia desses em Montevidéu, extensiva aos tiranetes do Cone Sul: “o poder é como um violino: toma-se com a esquerda e se toca com a direita”. Dos grotões esquecidos no tempo, de onde nem se escutam os lamentos, aos centros metropolitanos retóricos e imponentes grassam os currais eleitorais, a manipulação religiosa, o messianismo canhestro, o analfabetismo funcional, a inconsciência de cidadania e alienação sociopolítica expondo o país à manipulação impatriótica, opressiva e despótica. Deslavados soberanos alimentam a miséria a conta-gotas e esmolas, bolsas-família e outros incrementos assistencialistas e viciosos. Fazem-se marqueteiramente caridosos às bocas famintas e mãos crispadas da pobreza. Em troca, o voto do desalento, regressivo e descurado, o deus-lhe-pague simplório da submissão. Eis o quadro das pesquisas de opiniões eleitorais no horizonte baço de nossa democracia. Notícias, opiniões publicadas, opinião pública... Pois é, lamentou o jornalista Roberto do Valle, cansado e descrente. Pra quê? |