Houve um Jardim das Delícias. Nele, dois jovens viviam em paz e tinham do que quisessem. No centro, uma fruteira proibida. Uma víbora, no entanto, dissuadiu o casal: “ Não vão morrer se comerem desses frutos! Ademais, terão de acréscimo grandes revelações: além do bem que os rodeia, descobrirão o mal”. Tempos depois, a moça cujo nome significa Vida deu à luz a dois meninos. Um apascentava ovelhas; o outro, agricultor.
Certo dia, montado em inveja e planejando coisas más, Caim, o agricultor, convida Abel a um passeio. No campo, mata-o a pauladas, untando a terra com sangue de irmão. Jamais teve descanso, e segue odiento, perdido e tresloucado. No local, frutificaram-se o ódio, ambição e angústia. Os bosques murcharam em areias e na grota dos abismos germinou o visgo quente chamado petróleo.
Até hoje, qualquer coisa é estopim da traição. Cidades sagradas são destruídas: Nazareth, Jerusalém... No afável Líbano, descendentes do ódio despejam mísseis e bombas sobre telhados, espalhando terror e matando inocentes no meio das ruas. A serpente insidiosa observa a tudo isso. Ri da tragédia humana. E coça seu ventre maldito nos corpos dos mutilados.
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Romildo Sant'Anna, escritor e jornalista, é professor do curso de pós-graduação em "Comunicação" da Unimar - Universidade de Marílía, comentarista do jornal TEM Notícias - 2" edição, da TV TEM (Rede Globo) e curador do Museu de Arte Primitivista 'José Antônio da Silva' e Pinacoteca de São José do Rio Preto. Como escritor, ensaísta e crítico de arte, diretor de cinema e teatro, recebeu mais de 40 prêmios nacionais e internacionais. Mestre e Doutor pela USP e Livre-docente pela UNESP, é assessor científico da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Foi sub-secretário regional da SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. |