Somos apanhados em todos os lugares

MARIA AZENHA


Espreitando a Galáxia. Fotografia a partir de pintura de Maria Azenha. 2018

VOLTO À CASA

 

A minha mãe teria agora cem anos.
O meu pai   um pouco mais velho.
Os avós o dobro das idades.
Esses não os conheci.

Os muros da terra
já os devem ter engolido.
O tempo sussurra os seus nomes.

Serenamente ouço o rumor das aves

debaixo da Galáxia.


O RAPAZ LAVA AS JANELAS

 

O rapaz lava as janelas, segura entre dentes um trapo.
É um náufrago das vidraças. Nos meus sonhos ele aparece
quase sempre vestido de mulher. Os mortos seguram-lhe a cabeça.
E há homens que espreitam para dentro da terra

através de cortinas de fumo.

Não sei bem porque o fazem.
Talvez ouçam a respiração das nuvens.

Lá em baixo um silêncio absoluto.


EVOLUÇÃO DA PAISAGEM

 

 

Aqui estamos nós.
O almoço, a manhã,
Os primeiros raios de sol sobre a mesa.

Muitas vezes sonho com ela.

 

A sua ausência cheira a pó.

Lembro-me do vestido bordado

com pequenas abelhas
e em cada algibeira uma letra vermelha.
(Onde estará?)

 

O homem de barbas que percorre a praia
nunca a deixou.

Hei de encontrá-la junto à areia.

Havemos de conversar
sobre o cavalo que vagueia e
que a roubou.


♣ revista triplov . série gótica . inverno 2018