Quem é Claudio Willer?

 

CLAUDIO WILLER
Tributo


Por Marta Dantas

 

Quem é Claudio Willer?

No seu poema “Autobiografia selvagem” o eu lírico diz a que veio o poeta:

1964: A grande risada. Contemplei o mundo, presenciei os fatos de perto, a partir da minha cama. Impossíveis outras posturas. Alucinações no Maranhão e Recife. Que odor de ferrugem permeava as madrugadas! Mas algo se preparava. (WILLER, 2004, p. 76)

 

Na porta de seu quarto, poderíamos ler o aviso: “O POETA ESTÁ TRABALHANDO” (BRETON, 2001, p.28). 1964 foi o ano em que preparou e se lançou com Anotações para um Apocalipse, seu primeiro livro de poesias. O odor de ferrugem que permeava as madrugadas eram odores!! E tinham nome:   

fernandopessoapierrereverdysaintjohnperserobertdesnosviniciusgisnbegcorsoferlinghettibretonpauléluardmallarméartaudrilkerousselpongepoundcarlosdrummondoswaldmariomichauxlautréamontnerudanovalisblakebenjaminpéretkleisthöerdelinnietzschesenghorcézaireoctaviopazpivamachadoalbertcernudajarryeliotstephangeorgerimbaudcummingscabraltzaracrevelmuriloapollinairesoupaulttralklbennbaudelaire (WILLER,2004, p.65)

Era o Apocalipse que se preparava; e numa inversão do tempo linear do cristianismo, ele foi o princípio, resultado de leituras, viagens, encontros e um estilo de vida que Willer mantém, que se transforma e que retorna, de volta, novo, ao ponto de partida, à origem, ou seja, à magia da palavra. “O fato de que a atuação da palavra vai muito além de todo ‘entendimento’, é algo que não precisa apoiar-se na especulação religiosa, pois tal é a experiência do poeta, do místico e de todo […] falante que se delicia com e elemento sensível da palavra” (SCHOLEM, 1999, p.15)

Claudio Jorge Willer, poeta, ensaísta ligado à criação literária rebelde, ao surrealismo e geração beat é também tradutor excepcional de Lautrémanont, Artaud, Ginsberg, Kerouac, Bukowsky e Aimé Césaire. Willer está presente no Dictionnaire général du Surréalisme et de ses environs (1982), e ainda há quem diga que não houve e não há surrealismo nos trópicos.

Na História da Literatura Brasileira, de Carlos Nejar, Willer se encontra no capítulo dedicado à “Poesia brasileira da Geração de 1960 até 1970”. Nos seus poemas, explica Nejar, encontramos imagens insólitas: “‘O grande cavalo de lágrimas azuis desce do Oeste, lento como a névoa dos trigais’”; um dilúvio caótico de metáforas: “‘silêncio de cascos estilhaçados de tartaruga’”. E tudo o que importa não é a lógica, “mas a velocidade dos sonhos e ‘a queimadura do fósforo da poesia consumindo-se’” (NEJAR, 2011,  p. 991). Outras vezes, observa Nejar, seu poema é “um raio de lucidez atordoante: ‘uma geração pulou no abismo/ mas você foi mais adiante/ ou saltou mais fundo/ levantou a tampa da vida/ para ver o que havia por baixo/ para ver que não havia nada embaixo’.” (NEJAR, 2011, p. 992). Sua visão é apocalíptica/visionária,afinal, “na poesia o futuro é revelado” (WILLER, 2004, p.87).

Willer tem poemas, artigos, ensaios publicados em antologia em coletâneas e periódicos no Brasil, na Argentina, na Colômbia, na Alemanha, no México, na Venezuela, em Costa Rica e na Itália. Atuou como crítico e ensaísta no Jornal da Tarde, no Jornal do Brasil, na Folha de São Paulo, Revista Cult, Isto É, etc . Foi Presidente da União Brasileira de Escritores por vários mandatos e também foi Secretário Municipal de Cultura de São Paulo.

Suas publicações são muitas e em vários gêneros.

Poesia:

Anatações para um Apocalipse (1964)

Dias circulares (1976)

Jardins da provocação (1981)

Estranhas experiências – poesia 1964-2004 (2004)

A verdadeira história do século 20, poesia (São Paulo, 2016; Lisboa, 2015)

Prosa:

Volta (2004)

Dias ácidos, noites lisérgicas (2019)

Ensiaos:

Geração Beat (L&PM Pocket, 2009);

Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna (Civilização Brasileira, 2010);

Manifestos 1964-2010 (2013)

Os rebeldes: Geração Beat e anarquismo místico, ensaio (L&PM, 2014);

 

Willer é doutor em Letras pela USP com a tese Um Obscuro Encanto: Gnose, gnosticismo e a poesia moderna  (Civilização Brasileira, 2010) e pós-doutor, também na USP, com o tema “Religiões Estranhas”, Misticismo e Poesia.

E se seus “Dias [são] circulares”, assim também é sua criação poética, seja ela em verso ou em prosa, assim é seu trabalho como tradutor, crítico, ensaísta, sua produção e formação acadêmica, sua atuação como professor (externo ao mundo acadêmico) e como agente cultural. Desde sua estreia, com Apocalipse, ele contempla o mundo, os fatos, a partir da sua cama e, portanto, não se propõe a desvendar mistérios, nem conhecer cartesianamente mundo e fatos, mas a se deixar levar pelo seu obscuro encanto. Encontramos em toda sua ação, uma mesma energia, um mesmo movimento: a subversão do senso comum, a reintegração entre o sujeito e as coisas, entre o sujeito e o mundo a partir da magia das palavras. Portanto, afirma o próprio Willer, “Não se trata apenas de estabelecer ligações entre poesia e vida: no limite, a poesia é vida, toda poesia autêntica nada mais é do que a explicitação de uma proposta vital.” (WILLER, 2013, p. 67) […]  “Interessa recuperar uma visão radical, e radicalmente crítica, do papel da arte e da criação na sociedade. Em uma época como o nossa, quando há um aparente eclipse de utopias, a rebelião romântica, individual, continuará a contribuir com a transformação do mundo.” (WILLER, 2004, p.14)

Willer completou, em dezembro do ano passado, 80 anos! 80 camadas da mais fina massa folheada de múltiplos Eus e recheadas de doces, estranhos e maravilhosos encontros  − com pessoas, pensamentos, outros poetas, outras artes, com muitos e “modernos amores”. Um apfelstrudel generoso e muito singular, herdeiro da rebelião romântica, e que temos, agora, o privilégio de saborear.

Bem vindo Willer!

Marta Dantas

03/03/2021

 

Referências

BRETON, A. “Manifesto do Surrealismo”. In: Manifestos do Surrealismo. Trad. Sergio Pachá. Rio de Janeiro: 2001, p.13-64.

NEJAR, C. História da Literatura Brasileira: da carta de Caminha aos contemporâneos. São Paulo: Leya, 2011.

SCHOLEM, G. O nome de Deus, a teoria da linguagem e outros estudos de Cabala mística: judaica II. São Paulo: Perspectiva, 1999, p. 15.

WILLER, C. Estranhas experiências. Rio de Janeiro: Lamparina, 2004.

______. Manifestos 1964-2010. Rio de Janeiro: Azougue, 2013.

 

 


Este é oblog de Claudio Willer : https://claudiowiller.wordpress.com/
Biobibliografia


revista triplov

SÉRIE VIRIDAE . NÚMERO  04: CLAUDIO WILLER

portugal . fevereiro . 2022