Insectos brancos, escarlate escaravelho

JOSÉ EMÍLIO-NELSON


De súbito, de um Jardim de pouco préstimo, cai uma Maçã de escuros cardinalícios que macerou a ociosidade.

Logo que se escancarou, de dentro saltou um insecto branco, a que se sucederam outros mais, falange descrente, mas embebidos em estranheza original. Que esgar!, silvos, odores vegetais, olhos que circulavam em torno das cabeças, em forma de glande, girando manchados por uma asfixia obsessiva de alcançar! Cresceram-lhes, em contacto com a Maçã límpida, músculos e aguilhões, estandartes e galhardetes.

As patas escamam em suores sempre que as esferas pendem em vaivém frenético, num transe que é o tédio do destino  multiplicador. Penetrando com esfalfamento e espalhando ampolas, auréola branca, sempre que se moviam da lentidão de lesma ao cansaço de peregrino, sem interrupção.

Minúsculos e medonhos, pinças na manápula do Excelso [balbuciava: será que engolir tal insecto branco faz atingir um estado de alucinação que conduz às sepulturas e permite continuar com o Além?].

Retirada a segunda Maçã do caroço da primeira, levantando-se das ossadas de uma sepultura, polvilhado de luminosa poeira escarlate, regurgitava o escaravelho-Sol-do-Mundo. No manto da sua carapaça, a boca incrustada, abertura esventrada, garganta que amolece profanando-se na profundidade das entranhas, adelgaça-se, na sombreada ranhura de tufos de pêlos. Atrai o insecto branco, nublado, de cima a baixo, em gemidos, fragrâncias, implorando a semente que os faz soluçar.

Aí, o Excelso, soergue-se com o báculo que assombra a descendência de uma Maçã dentro de uma outra Maçã que não deviam ter tocado.


José Emílio-Nelson (Espinho17 de maio de 1948) é um poetacrítico e editor português.


© Revista Triplov  .  Série Gótica .  Inverno 2017